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DIÁRIO DOS SONHOS I

No meu sonho eu ficava sozinha.

Eu estava em Boston, no escritório do meu pai. Meu primeiro pai. Frank. O cômodo estava exatamente como eu me lembrava; o papel de parede simples em tons de bege e marrom, estantes ocupavam três das quatro paredes e estavam abarrotadas de documentos amarelados, livros velhos, empoeirados e desgastados. O carpete era grosso e, apesar de ser um sonho, eu conseguia sentir a fibra macia e familiar sob as solas dos meus pés. Meu Deus, eu conseguia até mesmo sentir o cheiro de café; eu sempre levava o seu café da manhã até o escritório quando ele e a mamãe brigavam e ele dormia no pequeno sofá de couro esfarelento que ficava no meio da sala.

Os livros sobre a escrivaninha estavam espalhados como se ele tivesse acabado de estar ali. Estiquei-me para folhear um deles, mas não consegui ler o que estava escrito ali. Eu sabia que aquela informação era importante e esfreguei meus olhos com força, incapaz de fazer as palavras ficarem em foco.

Lembro-me de ter tentado ler os outros livros, mas era inútil.

Os ruídos da tempestade devem ter afetado o meu subconsciente porque quando olhei para a janela que ficava atrás da sua cadeira de espaldar alto o céu estava negro por causa das nuvens carregadas.

Me aproximei do beiral da janela aberta e senti os respingos de água contra o meu rosto. Nossa casa ficava perto do Museu de Belas Artes de Boston, bem longe da água. Ainda assim, as ondas batiam violentamente contra a parede do escritório, espirrando água nos livros sobre a escrivaninha.

Eu estava pronta para fechar a janela quando ouvi um sino e gritos vindos do lado de fora. Havia um navio, tão grande quanto o Phillip Alonzo, no meio da tempestade. O primeiro relâmpago atingiu o mastro em cheio e eu me lembro de agarrar o beiral da janela, sendo preenchida por um sentimento angustiante.

Ainda que longe, eu conseguia ouvir os gritos desesperados dos marinheiros com clareza. Coloquei a mão na barriga, procurando o conforto que me acostumara a ter, mas eu já não estava mais grávida. Foi então que me ocorreu, com um acelerar súbito e desesperador do meu coração. Eu tinha certeza, apesar de não saber muito bem como, de que John estava naquele navio, assim como o nosso filho.

A chuva se aproximou rapidamente enquanto eu observava, em pânico, meu marido e meu filho morrerem bem diante dos meus olhos. As ondas sacudiam o navio de um lado para o outro, arrebentando contra o casco com violência o suficiente para fazer a embarcação se inclinar perigosamente para a esquerda e depois para a direita.

Eu não podia ficar parada ali, mas não tive tempo de fazer nenhum plano. Outro raio acertou o mastro e ele caiu, destruindo a amurada enquanto outra onda fez com que o navio começasse a afundar rapidamente. Foi quando eu subi no peitoril e me lancei na escuridão, desesperada para salvá-los. 

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora