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COMPLICAÇÕES FAMILIARES

— Essa é a ideia mais idiota que eu já ouvi — Claire Fraser era exatamente como John se lembrava. Esguia e sinuosa, com cabelos escuros rajados de cinza e olhos tão frios que ele temeu que pudessem congelá-los ali mesmo. Estava com as mãos vermelhas até os punhos, onde o sangue da cirurgia que acabara de realizar não fora completamente limpo. O avental, também sujo com manchas escuras, a fazia parecer um açougueiro maligno, pronta para fazer o homem em picadinhos. A mulher era cheia de opinião, o que maravilhara John quando a reencontrara na Jamaica, mas sua veemência e indignação oferecia um contraste perturbador com o silêncio de Jamie. Encarou John sem um pingo de decoro, tão transtornada que ele quase se compadecia. — Onde você estava com a cabeça quando concordou com essa estupidez?

— Mamãe!

John torceu o nariz, os dedos firmes ao redor de uma xícara de chá que já havia esfriado. Normalmente, ele e a sra. Fraser trocariam farpas banhadas em cordialidade e boa educação, mas ele, aparentemente, havia cruzado os limites com aquela mulher.

— Sua filha apresentou bons argumentos quando ameaçou me expor para todo o condado — retrucou amargamente, fazendo o rubor subir pelo pescoço de Brianna.

Estavam os três sozinhos ali. O Jovem Ian Murray, sobrinho de Claire e Jamie, e Lizzie haviam levado Willie para conhecer a cordilheira, mas John começava a se preocupar com o volume da voz de Claire, que estava claramente furiosa.

— E como, em nome de Deus, Brianna descobriu sobre as suas preferências?

— Eu entrei no quarto dele no meio da noite — disparou Brianna, cruzando o braço na frente do corpo como se desafiasse os pais. Ela era como uma força da natureza, imponente e imparável, capaz de mover montanhas se fosse necessário.

Jamie, que estivera quieto até aquele momento, ergueu os olhos na direção da filha e John se surpreendeu quando ela não se encolheu e nem desviou o olhar. Claire pareceu ficar tensa.

— Você o quê?

— Eu precisava conseguir água para Lizzie — explicou Brianna. — Ela estava passando mal por causa da viagem e ninguém queria me dar mais água para mantê-la hidratada. Fui atrás do Lorde John para que ele falasse com o contramestre, mas ele não estava lá — ela não hesitou e nem mesmo pestanejou ao mentir, mantendo sua voz clara o suficiente para não houvessem dúvidas sobre o que ela relatava. Se John não soubesse o que, de fato, acontecera teria acreditado nela. — Encontrei uma carta e acabei ligando os pontos. Nunca foi minha intenção xeretar no que não me pertencia, mas quando as pessoas me viram saindo da cabine dele... Os boatos se espalharam.

— Nós não nos importamos com boatos, querida!

Jamie claramente tinha uma opinião contrária.

— Eu me importo, mamãe — insistiu Bree, colocando a mão sobre o abdômen. Seu corpete e suas anáguas escondiam bem a sua gravidez, mas era inegável que havia algo crescendo ali. — Eu te disse. Não posso voltar, nem agora e nem pelos próximos anos... talvez nunca possa. Não vou deixar meu filho crescer sendo chamado de bastardo ou coisas piores.

— Bree, você não entende... — Claire começou, mas logo foi interrompida por Jamie.

— Sassenach, deixe-a continuar.

Pelo canto do olho, John percebeu o punho cerrado de Brianna. Ela queria ter tido aquela conversa sozinha com os pais, ele sabia disso. A primeira coisa que disse para ele quando ninguém estava olhando havia sido: "Você disse que me daria mais tempo!". Ele lhe daria todo o tempo do mundo, mas, infelizmente, as coisas na Virgínia não haviam sido tão fáceis quanto ele esperava. O advogado que Isobel e a mãe de Lorde John contrataram havia sido bem claro. Ou ele voltava para Mount Josiah com Brianna, ou não voltaria mais.

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora