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INVASÃO DE PRIVACIDADE


A tempestade continuou por mais dois dias e o estado de Lizzie começara a deixar Brianna preocupada. Ela sabia que a desidratação era perigosa e que a garota precisava conseguir manter alguma coisa no estômago, mas ela não era a única passando mal por causa do mar agitado e independente do quanto Brianna pedisse, implorasse ou ameaçasse, nenhum dos marinheiros lhe dava mais água ou um pedaço de pão que fosse.

Ela tinha pensado em furtar alguma coisa, mas sabia muito bem como aquele tipo de delito era punido ali e afastou a ideia da mente sem pensar duas vezes. Pelo menos Lizzie não ficava enjoada com o mar propriamente dito, era o fulgor da tempestade que estava fazendo seu estômago se revirar e colocar as tripas para fora. Quando a chuva passava e o mar acalmava — durante os breves e cada vez mais escassos intervalos durante a tormenta — a jovem até conseguia comer e voltar a ter um pouco de cor no rosto, mas, no exato momento em que os trovões voltavam a sacudir o chão de madeira sob os seus pés e o navio começava a sacudir de um lado para o outro, Lizzie voltava a ficar verde e se curvava sobre o seu balde.

— Onde está indo, srta. Bree? — perguntou a menina ao ver sua senhora se levantando e indo em direção à porta. Lizzie estava um pouco mais forte já que fazia pelo menos duas horas desde que o mar ficara um pouco mais calmo. Sua pele estava rosada, mas ainda apresentava um aspecto pegajoso.

— Vou tentar conseguir comida e água para você.

— Eles não vão ouvi-la.

— Bem, talvez eu tenha que falar mais alto então.

Brianna fechou a porta do compartimento atrás de si e lançou um olhar na direção das escadas que a levariam para o convés. Girou nos calcanhares e seguiu pelo caminho oposto, mancando um pouco por causa do joelho dolorido. Passou por diversas portas entreabertas e deu uma olhadela nos outros passageiros que viajavam em direção a Charleston. Alguns estavam tão mal quanto Lizzie, contribuindo para a atmosfera carregada e com cheiro de vômito que se espalhava pelo corredor. Outros, como ela, faziam de tudo para cuidar de seus companheiros de viagem enquanto evitavam ao máximo adoecer também.

Ela não sabia qual era o compartimento de Lorde John, mas decidiu-se por escolher a porta com detalhes dourados talhados na madeira escura e úmida. Bateu na superfície áspera com os nós dos dedos e aguardou uma resposta. O navio deu uma sacudidela e Brianna se apoiou na parede, tentando mais uma vez chamar a atenção do homem ali dentro.

— Jesus H. Roosevelt Cristo — praguejou, lembrando-se de quando a mãe usava aquela expressão.

Sem paciência, decidiu ignorar os bons modos e girou a maçaneta gelada, abrindo a porta do compartimento enquanto enfiava a cabeça pelo vão na tentativa de ver se Lorde John estava ali.

— O mundo acabando do lado de fora e ele está dormindo — indignada, deslizou por entre a abertura e fechou a porta atrás de si.

O compartimento de John Grey era enorme e Brianna se sentiu ultrajada. Enquanto ela e os outros passageiros precisavam dividir um cubículo minúsculo, o homem possuía espaço o suficiente para acomodar todos os Fraser-Murray de uma vez só. O chão de madeira estava coberto por tapeçarias grossas e maravilhosamente bem trabalhadas enquanto os mais diversos livros se espalhavam pela mesa de jantar e pela escrivaninha. Aparentemente, Lorde John se mantera muito ocupado enquanto Lizzie quase morria. Passou o indicador pelos títulos de alguns livros, sem achar nenhum que parecesse realmente interessante para um homem como Grey.

Seus olhos resvalaram em uma carta, cuja ponta havia sido queimada. Parecia que alguém decidira queimar o papel, mas mudara de ideia antes que o fogo pudesse consumir as palavras. Viu o nome Isobel e Benedicta Stanley, mas sua atenção logo se desviou em direção anel de pedras preciosas sobre a mesa de madeira. Estava em cima de um papel de embrulho dilacerado e era tão deslumbrante que os nervos da jovem ficaram inflamados. A luz dos lampiões lançavam seu brilho alaranjado sob a trindade de safiras, fazendo com que elas resplandecessem com uma aura azulada ao lado da carta. Aquela jóia podia facilmente pagar todas as despesas de Lallybroch e ainda garantir que ela e Lizzie tivessem acomodações melhores.

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora