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JOGO DE CARTAS

— O que, em nome de Deus, você está fazendo no meu quarto? — sibilou uma voz masculina grave, soando ridiculamente forçada. — Isso é uma espingarda?

Brianna piscou, envolvida pelo estupor denso e embriagante do sono. Seu pescoço estava rijo e dolorido; os músculos dos ombros de das costas estavam tensos e retesados, fazendo-a soltar um gemido de dor quando tentou se endireitar na poltrona e feltro vermelho. Por quanto tempo ela dormira?

Ela semicerrou os olhos, procurando a fonte dos protestos. Willie a encarava, cobrindo o corpo como se não estivesse vestindo sua combinação de dormir. O sol brilhava à sua esquerda, fazendo um lampejo de ruivo flamejar perigosamente pelos cabelos castanhos do jovem. Seus olhos, azuis como o alto mar irradiavam irritação e ultraje. Seu rosto estava vermelho como um tomate maduro.

— É um rifle — corrigiu ela, esfregando os olhos com a mão livre.

Os dedos ao redor da arma estavam rígidos também, mas ela não se atreveu a tentar relaxá-los. Os flashes da noite anterior inundaram sua mente sem aviso prévio, deixando-a tão alarmada que ela se levantou bruscamente — o máximo que sua barriga imensa e redonda permitia — e olhou ao redor fazendo a expressão de Willie transmutar de fúria para impaciência.

— Eu não me importo se isso é um rifle ou uma espingarda — decretou ele, empinando o nariz tão exageradamente que Brianna achava difícil acreditar que o rapazinho tivesse sido treinado para ser um aristocrata.

— Bem, você perguntou — replicou ela secamente.

— Perguntei o quê?

— Se isso era uma espingarda.

Willie ficou em silêncio por um tempo, mas Brianna não se virou para ver o que ele estava fazendo. Continuou fazendo uma varredura pelo quarto, apenas para tranquilizar seu coração irrequieto e recém despertado.

— Também perguntei o que diabos você estava fazendo dormindo no meu quarto com um rifle — retrucou ele, deixando de lado a pose e a voz grossa de homenzinho e assumindo o tom petulante que ela conhecia bem.

Brianna hesitou, sem saber se deveria contar-lhe a verdade ou não. Apesar de tentar parecer mais maduro do que realmente era, Willie era apenas uma criança e, sem John ali, Brianna era o mais perto de uma figura adulta responsável que ele tinha. Por mais que não gostasse nem um pouco de pensar na situação conturbada e shakespeariana — será que Shakespeare seria capaz de escrever um enredo tão esquisito? — que envolvia seu meio-irmão-barra-enteado, ela sabia que, de uma forma ou de outra, ela precisaria zelar pelo bem-estar dele pelo marido e pelo seu Pa.

— Tive um pesadelo — disse ela, optando pela meia-verdade. — Quis ter certeza de que você estava bem.

William pareceu incomodado com alguma coisa, mas depois a encarou como se ela tivesse um par de chifres.

— Por que eu não estaria bem? — desdenhou ele, deixando as cobertas de lado. — Foi só um sonho. Francamente! Minha avó sempre disse que mulheres ficam descompensadas quando grávidas, mas eu não acho que ela se referia a andar armada por aí se enfiando nos aposentos de jovens cavalheiros enquanto eles dormem.

— Sim, porque você e sua avó são especialistas do comportamento feminino.

— Eu diria que sim — reafirmou ele, bufando. — Minha avó é uma dama, afinal de contas.

— Então você acha que entende as mulheres só porque conhece algumas delas?

— Certamente que sim.

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora