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JEREMIAH


Durante todo o jantar, Brianna tentou não olhar para John, com medo de que a visão do rosto inchado e distorcido do marido ficasse gravada para sempre em sua memória. Ainda assim, ela era uma artista e prestar atenção em detalhes se provara uma maldição naquele momento.  Relâmpagos de memória inundavam sua mente sempre que ela piscava, fazendo-a suas mãos tremerem e a bile subir perigosamente em direção à sua garganta, ameaçando arruinar o espetáculo que Stephen Bonnet havia armado.

Ela passara o dia todo com uma dor infernal nos ombros e no pescoço, indo até a base de sua coluna. Manoke — que descobrira sobre o sequestro de John graças à Jamesina — apontou a tensão que Brianna exalava e tentou se oferecer para fazer uma massagem que ele havia aprendido quando era mais novo com uma anciã moicana. Ela ainda não o suportava, mas era visível que Manoke se importava com John e que também estava preocupado, por isso deixou que ele lesse a carta, mesmo que ele provavelmente já soubesse todo o seu conteúdo.

— Vocês tem o dinheiro? — perguntara ele, mantendo-se inexpressivo quando ela negou com a cabeça. — Teremos que pensar em alguma coisa, então.

— Morrison está cuidando disso — replicou ela, cerrando os punhos. Ela odiava se sentir inútil, principalmente em uma situação tão delicada quanto aquela. — Não posso deixar que Willie descubra que tem algo errado. Eu consigo controlar meus nervos, mas não posso lidar com os deles agora e, além disso, não é necessário preocupá-lo. Nós vamos trazer John de volta.

Mal sabia ela, entretanto, que ele voltaria para casa mais cedo do que o imaginado.

Brianna estava se preparando para ir para o seu quarto — dormir estava fora de questão, mas pelo menos lá ela estaria sozinha e não precisaria fingir ser forte — quando a porta de entrada se abriu bruscamente e ela se levantou o mais rápido possível, atravessando a sala com passadas largas até chegar no hall de entrada.

— Morrison? — chamou ela esperançosa, abrindo a porta que separava os cômodos. O hall estava escuro, o vento frio da noite agitou suas saias e apagou mais velas durante seu trajeto, fazendo-a esfregar os braços para afastar o arrepio que eriçou os seu pelos ruivos.

— Brianna — seu nome foi pronunciado entre um gemidos de dor e seus olhos se desviaram para o chão onde John jazia, encolhido em uma bola.

Ele estava em frangalhos; um hematoma roxo desfigurava seu olho esquerdo e um imenso corte subia desde a ponta da sobrancelha até desaparecer pela linha do cabelo. Meu Deus, o que eles fizeram com o seu cabelo?, pensou ela, com os olhos cheios de lágrimas. Seu rosto estava sujo, cheio de machucados e com sangue seco escorrendo por toda a sua bochecha. Ela percebeu que, apesar dele não parecer ter forças para se mover, toda sua atenção estava em proteger a mão direita. Brianna buscou onde se apoiar quando sua cabeça girou e o gosto de vômito inundou sua boca. O dedo dele parecia estar anormalmente inclinado para trás, em um ângulo doloroso e doentio.

— John! — seu coração disparou e ela se abaixou ao seu lado, desajeitada e dolorida, curvando-se sobre a imensa barriga para tocá-lo. — Meu Deus! O que aconteceu com você?

— Peço perdão, madame — a voz masculina possuía um sotaque irlandês e um tom tão sinistro que um arrepio desagradável subiu pela espinha dela. Os olhos de Brianna voaram em direção à porta como duas flechas e ela sentiu o sangue congelar nas suas veias. Um homem alto e esguio a encarava, escorado no batente da porta. Seu rosto estava encoberto pelas sombras do hall mal iluminado, mas algo em sua postura fez com que ondas de arrepio subissem pela coluna dela. Atrás dele havia um grupo com sete ou oito homens igualmente imundos e mal-encarados, sorrindo para ela com expressões cheias de malícia. — Foi muito rude de Sua Senhoria não fazer as devidas apresentações. Meu nome é Stephen Bonnet e nós viemos para o jantar.


Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora