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À IMAGEM DO PAI


Após tantos anos sem ver Jamie Fraser, John Grey acreditava que a paixão que sentia pelo escocês das Terras Altas havia minguado por completo. Ele ainda pensava em Jamie sempre que atingia o ápice, estivesse com algum cavalheiro ou com alguma dama, mas para ele isso não queria dizer absolutamente nada. Era inevitável, entretanto, que sua mente vagasse despretensiosamente em direção à imagem do amigo, fazendo-o imaginar coisas com as quais ele poderia apenas sonhar.

Ver Jamie na Jamaica havia aberto feridas que nem mesmo John sabia que ainda existiam. Vê-lo ali, depois de tanto tempo, e saber que nunca poderia amá-lo era mais do que ele achava que poderia suportar. Conhecer a famosa sra. Fraser também não havia sido nada fácil. O estômago de John queimou e se revirou, apertado de ciúmes. James Fraser nunca fora seu, mas durante todos os anos em que se conheciam ele também nunca fora de mais ninguém. Ver a troca de olhares cheia de amor, ternura e intimidade entre Jamie e Claire inflamara seu coração com tanta força que a dor quase chegava a ser física.

Olhar para Brianna Fraser era tão confuso e perturbador que John não conseguiu evitar a explosão súbita de irritação que o atingiu com força nas entranhas. Seus cabelos eram ruivos como os do pai, flamejando como labaredas sob o facho de luz que entrava pela janela atrás dela. As persianas estavam abertas por causa do calor, fazendo com que uma brisa fresca percorresse o ambiente e trouxesse o odor cítrico de limão que emanava dela. John se espantava com a semelhança de Willie com o pai, desde o formato dos ossos sob a pele clara como também os olhos azuis. O enteado, entretanto, ainda era uma criança. Brianna já era uma mulher adulta e sua semelhança com Jamie Fraser chegava a ser ainda mais gritante. Os traços de Claire também se faziam presentes e John ficou surpreso ao reconhecê-los. Brianna pegara os melhores traços dos pais e os usara sem pudor ou parcimônia, fazendo com que ele não soubesse se queria beijá-la ou estrangulá-la. Jamie nunca mencionara sua existência e pensar que Claire também compartilhava um filho com ele fazia as mandíbulas de John ficarem tensas.

— Lorde John, aceita mais uma bolacha? — perguntou Janet Murray, estendendo-lhe uma bandeja cheia de pequenas bolachas com pedaços de chocolate.

— Agradeço, sra. Murray — disse, com um sorriso sincero. — Mas temo que já tenha comido demais.

O rapaz que acompanhava Brianna, Archie MacAdam, pegou mais uma bolacha enquanto ainda terminava de mastigar a que havia enfiado na boca. Todos ali pareceram se divertir com a ânsia do jovem e John sabia que era porque aquele tipo de iguaria não era tão comum nas Terras Altas onde a fome era o prato principal em inúmeras casas por ali.

— Espero que nos perdoe pela falta de opções — pediu Ian, bebericando um pouco do seu chá que havia sido feito às pressas depois da chegada do visitante. Jenny se sentou ao seu lado no sofá de dois lugares enquanto Brianna e MacAdam ocupavam o outro sofá à esquerda e John ficava na poltrona da direita. Sua chegada havia feito a mulher loira enfezada fugir como o Diabo fugia da cruz. — Não esperávamos sua visita por pelo menos mais três meses, senhor.

— Eu que peço perdão, sr. Murray — replicou John, tomando ele mesmo um gole do chá. Não era parecido com o estilo inglês, mas era tão bom quanto. — Deveria ter avisado sobre a minha visita, mas um assunto importante surgiu e precisarei ir para as Colônias o mais rápido possível.

A cabeça de Brianna Fraser se virou na sua direção e sua expressão se iluminou, as sobrancelhas ruivas se arqueando da mesma forma que as de Jamie se arqueavam quando ele tinha uma ideia. John quis jogar seu chá quente nela, mas conteve o pensamento infantil.

— Ah, entendo. Não o veremos no final do ano então?

Jamie Fraser pedira duas coisas para John Grey em toda sua vida. A primeira, doze anos atrás, havia sido que ele cuidasse do filho de Jamie, William, como se fosse seu próprio. O segundo pedido acontecera na Jamaica, quase dois anos antes, quando Jamie pediu para que o amigo visitasse seus familiares uma vez por ano para ter certeza de que tudo estava bem. Apesar do plano original dos Frasers fosse resgatar o Jovem Ian Murray e trazê-lo para a Escócia, John acreditava que Jamie planejava se instalar nas Américas muito antes da ideia sequer passar pela sua cabeça.

John era um homem de palavra. Durante os dois anos que se seguiram, ele visitou Lallybroch quatro vezes — sempre na primavera e no outono. A família de Jamie era arredia, mas não demoraram para ver que as intenções de Lorde John eram as melhores possíveis.

— Bem, o senhor deve estar cansado da viagem — concluiu Jenny, levantando-se e ajeitando as saias. — Vou preparar o quarto de hóspedes para que possa descansar um pouco.

— Fico imensamente agradecido, senhora — respondeu, oferecendo-lhe um sorriso educado.

Jenny olhou para a sobrinha, parecendo não saber muito bem o que fazer com ela. Sua expressão de ternura era irrefutável, mas ainda havia certo resquício de surpresa em seus olhos.

— Brianna, a leannan — chamou Jenny. — Tenho umas cartas que meu irmão escreveu para mim das Colônias. Quer vê-las?

Observar a jovem era uma uma atividade que John não podia chamar de tediosa. Ele acreditava ser um homem perspicaz, capaz de ler as pessoas de uma forma clara e objetiva. A expressão de Brianna, por exemplo, transbordava tanto curiosidade quanto hesitação.

— Sim, quero — decidiu-se por fim, levantando-se e batendo o farelo que caíra no seu vestido. 

As duas se retiraram, fazendo uma leve mesura para John antes de desaparecerem pela porta. Brianna o encarou por meio milésimo de segundo além do que seria considerado educado, mas se retirou sem dizer mais uma palavra.

Archie MacAdam também se levantou e disse que estava na hora de voltar para casa. Ian o agradeceu por trazer sua sobrinha em segurança e lhe ofereceu um punhado de bolachas para a viagem. O rapaz agradeceu e se dobrou ao meio, fazendo uma reverência desajeitada na direção de Lorde John.

Sozinho com Ian Murray, John conversou sobre leviandades como o clima e o cuidado dos animais. Ian falou sobre os filhos e os netos e perguntou sobre William, expressão sua alegria em saber que o rapazinho estava saudável e feliz. John não contou sobre Isobel, não porque achasse que Ian não merecia saber o porque fosse segredo, mas porque aquele era um assunto que ele não tinha a menor vontade de debater.

Quando seu quarto ficou pronto, John pediu licença e subiu para descansar um pouco. Cansado como estava, só conseguiu tirar os sapatos antes de se deitar e embarcar em um sono profundo e sem sonhos.

Canções de um incendiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora