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MITRAM TROLLOPE

Ânira tem becos estreitos e pessoas maltrapidas, cheira a um enxurdeiro e a maioria das ruas estão em péssimas condições. Não é um lugar em que o rei poria os pés, logo é o lugar perfeito para se esconder dele.

Demorou anos para que meu pai aceitasse se refugiar aqui e desse início ao que seria a Trevo.

Foi um começo conturbado, ninguém queria ajudar a um Trollope exilado em desgraça e o preço por nossas cabeças em território Idáliano é alto, mas não demorou para os Rithele começarem a falhar e ganhar repúdio, possibilitando nossa volta com o apoio de casas influentes.

Começamos pequenos, mas com ajuda de apoiadores e os muitos mercadores que compõem Ânira divulgando nosso ideal por um bom preço e convencendo um povo facilmente manipulável, nos tornamos algo maior, nos tornamos a salvação dessa pátria e aqui estamos nós, nos reerguendo das cinzas com a escória e algumas famílias ricas ao nosso lado.

Minhas botas pretas se apressam pela cidade e mesmo com o manto encapuzado manchado da lama que meus pés jogam acidentalmente no tecido, continuo me movendo como sombras, oculto do inimigo — que de modo algum reconheceria um rosto desconhecido.

Há soldados da Trevo espalhados por toda a cidade, se misturando aos plebeus, sendo olhos, ouvidos e espada.

Nós controlamos essa cidade.

Alguns membros inclinam a cabeça em respeito ao me distinguir e eu devolvo o gesto, sei que se necessário eles darão suas vidas por mim e eu por eles.

Você não é um bom comandante se não está disposto a se arriscar também.

A pequena e simples casa de pedra, por fim, se estendeu a minha frente, qualquer um que passasse em fronte a ela jamais imaginaria sua importância, embora pareça desprotegida há inúmeros guardas espreitando ao seu redor e o "legítimo" rei de Idália, Eros Trollope, se encontra lá.

Continuando em passos firmes e confiantes, adentro a casa, deixando todo o frio do lado de fora e sendo inundado pelo calor que irradiava da lareira.

Tiro minhas luvas e assim que o vejo, faço uma rápida referência com a cabeça.

Eros Trollope tem os cabelos negros com mechas brancas denunciando sua idade, os olhos azuis tomados por olheiras e a coluna um pouco curvada, apesar de velho é, de fato, bem conservado, seja física ou mentalmente.

— Sobrevenha, pai — saúdo-o, pondo um caloroso sorriso em meu rosto, apesar de saber que logo serei obrigado a arrancá-lo.

— Incontível como o fogo, filho — embora suas palavras soem calmas, seu rosto denuncia o contrário. Previsível.

Apesar de sonhar com a bela ilusão onde eu seria recebido com bebidas, abraços e agradecimentos, não me surpreendo com sua mandíbula tensionada.

— Você é um selvagem, Mitram? Te criei para ser um maldito covarde?

— O quê? Eu não estou entendendo — balbucio o mais calmamente possível, mesmo sabendo exatamente sobre o que Eros está falando.

— Apenas me responda, bastardo — vacilo por um segundo, deixando suas palavras me atingirem.

— Não — sussurro, enquanto abaixo a cabeça e retiro o traçado contente em minha boca. Mamãe ficaria orgulhosa de minhas habilidades teatrais.

— Fale alto, porra!

— Não — repito, dessa vez em alto e bom som.

— Olhe para mim quando falo com você! — escutei-o retirar a espada da bainha e aponta-la para mim.

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