HERON LAWFORD
Peixe.
É tudo o que eu vejo, sinto ou ouso falar sobre.
Qual os mais gostosos, as presas mais fáceis, o que cada um prefere e quando é melhor para pescar sem sofrer algum tipo de acidente.
Eu cheiro a peixe o tempo todo e minhas mãos colecionam calos, não é a vida perfeita, mas deve se acostumar.
Em Idália você é o que é, de corpo e alma, por toda a sua vida.
Pois você nasceu para aquilo, foi escolhido para aquilo e não há razão para renegar isso, até porque o que faria depois? Passaria fome? Ficaria vagando pelas vielas sem nada, esperando o momento certo para morrer? Não.
Pode até não concordar, mas vai seguir as coisas como devem ser.
— Cada minuto aqui é menos dinheiro no final do dia — resmunga Twelk, um companheiro de trabalho, recostado em uma das paredes, os braços cruzados e o corpo, magricelo como o meu, estranhamente retorcido.
Pela manhã todos os moradores foram retirados de suas casas e trabalhos com o bater estridente do sino da praça central, anunciando que haverá algum pronunciamento do Lorde responsável.
— Eles enrolam demais — complemento, igualmente impaciente no meio da multidão.
— É porquê não sai de seus cofres — conclui Kyros Seely, nosso líder, um ancião que tenho como pai desde que o meu abandonara minha mãe e eu para caçar um sonho que nunca se concretizará, porque ele não é aquilo, não nasceu para aquilo, mas nem todos compreendem.
Repentinamente sinto um pequeno furacão se aproximar de mim e sorrio ao constatar sua presença ao meu lado.
— Acha que irão recrutar mais Pugnadoras? — Aíbil está na ponta dos pés, indo de um lado ao outro, na esperança de ver o que o palco central da cidade anunciará hoje.
— Sua tutora teria avisado se fosse — digo, vendo os emaranhados fios, longos e negros, da garota presos no topo de sua cabeça batendo contra a mesma por conta dos pulos desesperados.
Ela usa trapos masculinos que ficam esquisitos nela, o corpo todo manchado de cinza e vermelho-sangue, as unhas grandes e desiguais. Consigo ver sua marca de Pugnadora no ombro direito através de um rasgo em sua camisa.
— Ela não vai muito com a minha cara — admite a jovem, dando de ombros.
Supostamente as Pugnadoras — mulheres elegidas pelos deuses para proteger e lutar, as únicas que são iguais e merecedoras como os homens, que, assim como nós, conquistaram seus direitos enquanto os deuses andavam pela grandiosa Idália. — deveriam ser a graciosidade misturada ao poder, a beleza junto à bravura, mas isso é restrito às nobres, as crianças pobres que nascem Pugnadoras não esbanjam tanto brilho, são tomadas de suas famílias aos cinco anos e treinadas para a guerra, para a honra de proteger o país.
Com Aíbil não foi diferente, ela diz não se lembrar mais de sua família — sabe apenas o sobrenome pois ele é mantido. —, ela esteve sempre com Lady Orfeu, treinando e esperando pelo momento de seu recrutamento.
— Cidadãos de Idália — pronunciou-se, por fim, Lorde Orfeu, de pé no palco de tamanho médio, com um papel em mãos, quando o homem ergueu a carta todos puderam ver o conhecido selo âmbar que não deixa dúvidas: a carta fora mandada do palácio, pela família real. — a corte acaba de nos informar, com muito pesar, a morte do rei Kabir Rithele, o oitavo de seu nome.
A multidão explodiu em surpresa, cochichando entre si.
— Não há muitas informações, apenas que sua morte ocorreu a alguns dias e os sinos já tocaram, sua alma se juntará aos deuses hoje à noite. Está decretado estado de luto, todas as atividades estão suspensas até o amanhecer e prestaremos nossas homenagens aqui à meia noite — continuou o Lorde, quase inaudível pelos murmúrios dos moradores.

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IDÁLIA
Fantasy"O fogo está se espalhando, lento e impiedosamente, e nós ressurgimos das cinzas". Você é o que nasce, como o mundo te verá é definido antes mesmo de seu primeiro suspiro e não há nada a ser feito para mudar tal fato. Em Idália as pessoas são dividi...