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MITRAM TROLLOPE

Na primeira vez que fiz algo estupido e imprudente, minha mãe me acobertou e me fez prometer que jamais faria algo parecido de novo.

Na dia em questão, mamãe estaria ocupada durante toda a manhã com as visitas femininas de outros distritos — não que ela gostasse daquelas mulheres que a julgavam pelas costas, mas porque como esposa de um futuro rei prestes a dar seu golpe ela precisava agradar aquelas que dividiam a cama com os aliados de Eros —, já meu pai estaria o tempo todo enfiado em seu escritório no meio de inúmeras reuniões e planejamentos daquilo que em poucos meses viria a ser nossa ruína, enquanto eu acabei ficando com minha babá caolha, preguiçosa, lerda e particularmente velha, ou seja, seria o momento perfeito para por em prática aquilo que há quase um ano desejara: escapar para o lado de fora das muralhas que cercavam o forte de Bacco.

Eu não ia muito para o lado de fora e em todas as vezes que o fiz sempre precisava estar acompanhado de um dos meus pais e outras dezenas de guardas, afinal o único herdeiro deveria ser protegido a todo custo, mas isso me impossibilitava de realmente conhecer todos que viviam sob nossa proteção, o nosso povo e principalmente: Aart e Sage.

Os dois viviam além dos muros, o que limitava o quão juntos podíamos ficar um do outro, além de dificultar que eu soubesse coisas sobre eles. O máximo que faziam quando me visitavam escondido — entrando na fortaleza como ajudantes de homens mais velhos — era contar sobre suas aventuras do lado de fora, o que só fazia aumentar o meu desejo e por fim eu achara a oportunidade perfeita e estava determinado a não desperdiçar.

Então me preparei para executar o plano e roubei uma das misturas que mamãe usava para cair num sono profundo mais rápido, esperei que a babá chegasse e implorei para que fizéssemos um piquenique no pequeno jardim que ficava nos fundos da propriedade. Travesso, ofereci a ela um copo de suco misturado com o liquido do pequeno frasco surrupiado e disfarçando com brincadeiras bobas a esperei encostar numa das árvores e adormecer. Quando me certifiquei de que a babá não me ouviria partir, recolhi as comidas — para levar aos meus amigos —, vesti um manto marrom claro velho que comprei de um dos empregados que havia escondido ali antes de irmos e parti para os portões da fortificação, determinado a retornar antes que alguém sentisse minha falta.

O nervosismo se alastrou em mim assim que me aproximei da grande e única entrada, os guardas estavam verificando cada um que entrava ou saia e até remexendo em suas coisas. Como o garoto que era deixei o pessimismo e o medo tomarem conta, mas segui em frente, não havia tanto assim a perder. Poderia inventar uma boa desculpa e voltar para dentro, ileso e sem que meu pai descobrisse.

Me enfiei no meio de uma família que carregava alguns sacos de alimentos, eu era baixinho, então não me notaram e passei tranquilamente para o outro lado.

Lembro de ficar boquiaberto ao ver inúmeros mercadores com barracas simples montadas por caixas de madeiras e panos velhos — alguns visivelmente cheios de poeira — tomarem cada canto das ruas, lado-a-lado. Não me leve a mal, já havia visto um mercado antes, mas não como aquele. Era tão extenso que não conseguia ver o final, os cheiros eram tão diversos que se misturavam de uma forma enjoativa, mas a melhor parte eram as pessoas. Todas agiam normalmente, mostravam seu humor e essência como realmente eram, gritavam, discutiam, andavam apressadamente e até vi uma garota roubar e depois correr como se sua vida dependesse disso (e, para falar a verdade, realmente dependia). Sempre que eu aparecia junto aos meus pais o cenário era completamente diferente, todos queriam nos agradar com máscaras diferentes de suas verdadeiras realidades, sendo que aquilo — seus reais eu's — era o melhor que poderiam nos entregar.

Naquele momento eu aprendi que por muitas vezes somos cegados por aquilo que nos apresentam como verdade, mas qualquer decisão tomada desse ponto de vista se torna errônea. É preciso ir além. As pessoas nos mostram o que desejam que saibamos, mas o verdadeiro julgamento e análise deve ser feita da parte que não conhecemos.

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