“É a própria mente de um homem, e não seu inimigo ou adversário, que o seduz para caminhos maléficos.”
– Buda
1º de Fevereiro, 2009
Desde que Henri descobrira que estava amaldiçoado, sentia um profundo ódio de seus ancestrais, inclusive de seu pai, de quem herdara tal herança macabra. Nos últimos meses, quando percebera que fazia coisas as quais não se lembrava durante os blackouts, a sensação de ódio se misturava com um profundo sentimento de insegurança e medo. Medo de despertar e descobrir que o demônio que habita seu íntimo fizera uma vítima e havia usado seu corpo para isto, medo por saber que com a própria morte só poderia ir para um lugar.
Com a chegada de seu tio, sentia-se ainda mais só. Sentia-se inferior, um estorvo, mas Henrique via em Alicia algo que fazia-o ter fé em de si mesmo e não se sentia tão só. Talvez por não temer ele e, ao contrário de todos, estar disposta a ajudá-lo de qualquer forma, sem se importar se ele quer ou não. Ou mesmo talvez porque ela também tinha um legado familiar macabro. Mas esta noite nada mais importava, só sentia um profundo sentimento de culpa, afinal sua primeira vítima foi culpa dele, e somente dele. Sua primeira vítima foi sua mãe.
Ainda em choque, Henri ficou ajoelhado, imóvel, de frente para o corpo da mãe. Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos escuros e ele recostou o rosto contra o abdômen da mãe e chorou intensamente. Enquanto as lágrimas desciam, também ia embora parte de sua tristeza, dando lugar a um sentimento que nunca experimentou na presença da mãe: solidão. Após algumas horas, ele se levantou, olhou calmamente para o céu, pensou mais uma vez em seu pai, em sua mãe e em tudo mais que ele havia perdido, sobretudo a mãe, a última pessoa que ainda o fazia querer viver e lutar.
– Ainda que Alicia não queira me matar. – Henri começou a falar sozinho e a altura de sua voz variava de sussurros a gritos, seus dedos se moviam freneticamente como se estivesse arquitetando algo. – Ela não tem mais opção! Eu matei minha mãe, eu cortei meu último laço com a vida humana, com minha sanidade! – Henri começou a rir sozinho e suas gargalhadas altas ecoavam por toda a floresta.
Com toda a força que ainda restava, Henri soltou um urro além da capacidade de qualquer outro humano contra o céu. Em sua mente, aquele era o jeito de fazer com que algum deus ou entidade benevolente desse alguma atenção a ele e quisesse tirá-lo de seu mar de sofrimento. Não conseguia acreditar no deus que a mãe cultuava.
Seu grito espalhou-se o suficiente para que em, algum ponto, se transformasse em eco. O som da revoada de pássaros em fuga era aterrador e, para Henri, aquela era a resposta que ele procurava. Aquilo mostrava que não existia um deus ou, se existe, este o abandonara, assim como as aves.
Henri olhou mais uma vez sua mãe, pela última vez, e, tomado de ódio pelo suposto abandono divino, correu o mais longe que pode, desviando de diversas árvores no caminho, e só foi parar alguns quilômetros depois, quando havia adentrado a densa mata. Como consequência do urro e da longa corrida, o ar que penetrava seu pulmão dava-lhe a sensação de queimação que, aliada a fadiga física, fez com que ele parasse de correr. Em poucos minutos, Henri perdia o controle de seu corpo.
– Não desta vez! – Henri soltou outro urro, desta vez, muito mais intenso que o último, e a sua voz era irreconhecível de tão gutural. Forçou-se a correr novamente, desta vez atingindo velocidade inumanas. O mundo ao seu redor transformou-se em um borrão, sentia a temperatura de seu corpo aumentar, mas continuou correndo.
Se seu corpo estava voando, sua mente estava a anos-luz. Lembranças invadiam seus pensamentos. Lembranças ruins e tudo o mais que ele odiava, dava-lhe ainda mais energia.
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Forbidden Lines
RandomHá 500 anos, na pequena cidade no interior da França, Westwick, Arthur Blackburn fez um pacto com as trevas. Ele prometeu seu corpo e os dos filhos primogênitos de cada geração, em troca de riqueza e poder para a sua família. Então, quando os primog...