Sintomas

13.5K 534 24
                                    

JULIANA

Se passaram dois meses desde aquele baile na favela. Eu até sai pra mais algumas festinhas, mas apenas em bairros nobres, sempre cumprindo o meu juramento de não pisar mais naquele lugar.

Nick nunca para de falar que muitas lá do tal morro ficaram com inveja porque dormi com o dono do lugar, se elas soubessem que perdi a virgindade, morreriam então.

Eu só ouvia e ria, até porque Nick falava um monte de gírias agora, era até engraçado, parecia estar se habituando muito mais lá do que aqui, onde o pai dela sempre lutou pra mantê-la segura e comportada.

Eu ainda sentia um misto de raiva, medo e pavor só de lembrar daquele cara, obviamente não falo pra minha amiga, pois ela falaria que ele é gente muito boa e eu que falei demais.


...


Me levantei da cama indo fazer minha higienização matinal, voltei pra cama e deitei de novo, era bem cedo ainda e eu estava com muito sono, aliás esses últimos dias eu só dormia mesmo, qualquer oportunidade e eu estava na minha caminha.

Vi as horas passarem mas me mantive acordada, se dormisse outra vez era provável perder a hora e acabar hibernando o resto do dia.

Acordei a Nick e fomos nos trocar, assim que ela passou aquele perfume nojento senti uma puta ânsia e corri pro banheiro me debulhando em vômito ajoelhada em frente ao vaso. Não me sentia muito bem, aliás, péssima, era a palavra correta pro meu estado atual.

Ela veio atrás e já segurou meus cabelos, depois de um tempo me ajudou a levantar. Lavei a boca e xinguei ela de todos os possíveis nomes ofensivos existentes na lingua portuguesa.


— Sério, se usar isso mais uma vez vou fazer você engolir — Disse pro fim.


— Ué, mas tu sempre usou meus perfumes, principalmente esse, você amava — Ela se calou parecendo pensar em algo.


— Oque foi ?? —


— Não é nada. Mas, fica ai, descansa por hoje, amiga — Mesmo sem dizer oque era, tenho certeza que ela não parou de pensar oque quer que fosse.
Me mandou ficar outra vez e foi a mesma coisa que nada, pois com minha infinita teimosia não quis.


Me troquei rápido e fomos pra aula, eu estava extremamente enjoada, mas não fiquei no quarto. Já não era de hoje que vinha sentindo coisas estranhas então não me preocupei.

Esses dias estava muito focada nos estudos, eles eram o meu principal foco desde que me entendo por gente. Eu sei, saio pra festas, bebo e curto a vida, porém eu sei qual o meu objetivo e não o perco de vista.

Pretendo me formar uma boa pediatra, então, tenho que tirar notas ótimas nesse último ano de ensino médio, pra ajudar meu histórico do ano que vem, quando eu der entrada em uma  faculdade de qualidade aqui da cidade ou até fora do país. Sei que eu não tenho que me preocupar, pois tenho dinheiro, então consigo facilmente pagar uma universidade, caso não for tão boa aluna ou com notas não tão altas. Mas prefiro fazer por onde, pelo menos nesse sentindo, já o restante, o dinheiro resolve.


Saímos das aulas após o sinal bater e fomos comer algo no refeitório do internato, assim que senti o cheiro do almoço minha boca encheu de água, ao ver o que seria servido eu fiquei muito feliz.

— Hm...canelone ao molho branco — Sorri e logo comemos.


— Minha filha, você tá com o que hoje em ? — Perguntou me analisando e eu revirei os olhos. — Não só hoje, você vem se alimentando muito bem de uns dias pra cá, e olha que quase não comia —


— Ué, com nada, só estou com fome — Terminei de comer muito satisfeita com o cardápio do dia.


Voltamos pro quarto e eu já me segurei na cama logo me sentando, senti minha vista escurecer, Nick correu me entregando uma garrafa de água, bebi e me deitei.


— Amiga, marca uma consulta com seu clínico, ele vai saber o que é isso.
Eu tô com uma preocupação absurda, você geralmente reclama de tudo, enche meu saco, reclama das minhas companhias lá do morro, mas nem isso você fez hoje —

Ouvi minha amiga falando, enquanto eu ainda tentava recobrar minha normalidade e só concordei. Estava sem cabeça pra qualquer tipo de diálogo.

Mais tarde, no mesmo dia, ela disse que ia sair, porém não falou pra onde iria, só me disse que logo estaria de volta, fiquei quieta e como esperado peguei no sono.



C.R

Estava numa discussão terrível com um cara que deu uma facada na esposa lá dentro do morro, ela estava grávida e ele louco de pó, a criança morreu há umas semanas mas ele ia pagar direitinho.

O infame gastava o dinheiro do trampo na boca e a mina passava fome, eu tinha que cobrar essa ideia dele, esse lugar não é casa da mãe Joana.

Assim que a situação se controlou o cara me deu um soco, eu tava desapercebido mesmo, um puta vacilo meu, tava dando moral pra mulher dele me contar a situação e só senti o meu rosto quente. Tirei uma ponto quarenta da cintura e desci o pipoco na coxa dele.


— Filho da puta !! —


Dei uma grana pra mulher comprar comida pra casa e despachar o inútil.
Deixei claro que se visse ela com esse maluco outra vez, quem ia levar uma surra seria ela, por não ter vergonha na cara.
Já tô cansado de ajudar mina aqui e elas voltarem toda vez e apanharem de novo e me chamarem pra resolver as merdas. Eu não sou conselheiro amoroso e nem otário, ajudo uma vez e deixo avisado,  se voltarem pro mesmo traste e se foderem de novo, eles morrem e elas apanham.

Passei radinho nos caras e falei pra não soltarem droga pro desgraçado mais.
Saí de lá indo pro meu escritório.

Sentei e já ouvi Natalia enchendo a porra do meu saco, ela devia tá querendo grana, sentou no meu colo e foi se esfregando rapidinho, coloquei ela de quatro na mesa e abri minha bermuda.
Não levou vinte minutos e já tinha terminado, joguei o preservativo no lixo, abri a carteira dando quatrocentos reais pra ela e mandei vazar. Afinal oque ela queria era só isso mesmo, grana.

O Felipe entrou e me disse que tinha que resolver uma coisa no interior, disse que estava indo pra lá com a Nick, mas não ia demorar, liberei o resto do dia pra ele que agradeceu e puxou o bonde.

Ouvi o Rafael chamando no radinho.

— Solta a voz, meu consagrado —


— Aí, mano a carga de cesta básica tá aqui no morro, morô ? A gente já vai começar a tirar do caminhão e organizar os morador, estamos te esperando —


— Suave, tô encostando ai — Respondi e levantei indo pro galpão. Direto e reto a gente dava uma força desse tipo pra quebrada, tinha gente que gritava e apontava dedo que era comprado com dinheiro sujo, mas quando a fome apertava corria pra buscar a ajuda. 

Nunca liguei não, meu propósito como dono do lugar é ajudar os aliado e o meu povo. Se querem falar que falem, pelo menos tô fazendo minha parte e tentando amenizar minha pena depois da morte. Sei que ia ter que prestar muita conta a Deus.


Da Zona Sul pro Morro.Onde histórias criam vida. Descubra agora