07- Midlenton

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"A degeneração de um povo, de uma nação ou raça, começa pelo desvirtuamento da própria língua" - Ruy Barbosa

Ayla Windsor:

Após o grande anúncio do casamento de Ayla e Alec, o mundo ficou imerso em dias e mais dias de comemorações. O povo dos vilarejos de Martin ergueram bandeiras em todas as casas, bandeiras essas que eram uma mistura entre os símbolos da Corte da Lua, Martin e Midlenton.

Lordes mandavam cartas e mais cartas parabenizando a família quando claramente estava bem claro que eles não estavam nem um pouco satisfeitos com aquilo. Ninguém gostava de ter um rei com sede por grandeza. Eles temiam que o interesse do Império de Midlenton batesse à porta de seus vizinhos e "amigos".

Mas, em suma maioria, todos pareciam estar extremamente satisfeitos com aquela situação, todos, menos a própria Ayla. Quando completou exatos um mês da visita dos Whithlook, uma nova carta chegou à Martin, essa que propunha não apenas a ida de Ayla a Midlenton para iniciar os rituais tradicionais do império, como também de toda a sua família.

Vendo-se sem ter uma opção, ela aceitou prontamente ir à sua nova prisão particular, prisão essa que era decorada por uma luxuosas tapeçarias, jóias e lustres deslumbrantes.

Era inegável que o "Ninho da Águia" — como muitos se referiam à Midlenton — era o berço das riquezas do novo mundo. As filhas dos nobres usavam um vestido novo a cada hora do dia, assim como suas jóias para combinarem. Todos os dias novas peças de roupas chegavam para cada uma delas, que deslizavam por aí expondo suas riquezas.

O mesmo infelizmente não podia se dizer a respeito do povo, que vivia em situação de calamidade. Nas estreitas ruas entre vilarejos, crianças mendigavam, mulheres dividiam as tarefas e trabalhos pesados com os maridos para sobreviver, enquanto pagavam impostos altíssimos para sustentar o luxo da nobreza. Uma cena que fazia o estômago de Ayla revirar.

Já era tarde quando a grande carruagem de Martin chegou nos domínios de Midlenton, mais tarde ainda quando o luxuoso baile de recepção para a família de Ayla começou. Nos salões regados de comida, bebida, ouro e dinheiro, as pessoas dançavam animadamente e Ayla era atacada por uma série de perguntas.

As pessoas a olhavam como se ela fosse de outro mundo que não aquele, lhe perguntavam se a primavera em Martin era mesmo como todos diziam, qual era sua cor favorita, qual seu tecido favorito, se ela preferia diamantes ou rubis. Mas ninguém ousou perguntar se ela sabia falar outro idioma, quais assuntos eram os seus preferidos nas áreas de conhecimento, diabos, não perguntaram sequer se em algum momento ela já teria lido um livro em sua vida. Porque no fim das contas, a grande nobreza era isso. Uma bela caixa ornamentada com ouro e diamantes por fora, mas era vazia por dentro. Tudo era apenas aparência.

Assim que conseguiu uma brecha, Ayla fugiu para um terraço que ficava próximo ao salão. Lá, ela pôde sentir o vento que beijava suas madeixas negras soltas, que voavam animadamente no ar. Ela queria ir embora dali, aquele não era seu lugar, e não importava quanto tempo que passasse, aquela nunca seria a sua casa.

Mesmo de longe, ela avistou duas crianças brincando nas escadarias do palácio. A julgar por sua aparência, e pelo o estado de suas roupas, provavelmente nenhuma delas teria o que comer, provavelmente sequer tinham casa.

Ayla perguntava-se como podia haver governantes que viam aquilo como algo normal? Como alguém poderia ver pessoas morrendo lentamente e não ver problema nenhum? Era algo que ia além da compreensão dela.

— Eles vão sobreviver! — uma voz que emergiu às costas de Ayla falou — Os camponeses têm um instinto de soldados que vão além da nossa compressão!

Ayla virou o rosto, apenas o suficiente para encarar Catherine Thudor em seu elegante vestido de baile azul escuro. Naquele momento, ela olhava atentamente para o ponto onde Ayla encarava.

— Soldados só podem ganhar guerras quando possuem as armas adequadas para lutar! — rebateu Ayla sem encará-la — O povo está morrendo!

— Sempre haverão pessoas com fome, não é possível ajudar a todos! — respondeu Catherine

— É fácil falar quando nós estamos vestindo seda e mal aguentando o peso dos colares em nosso pescoço! — Ayla virou-se bruscamente, tentando conter a fúria que começava a corroê-la.

Ela não podia explodir ali, pelo menos, não por enquanto. Mas a naturalidade que a rainha de Midlenton pronunciava aquelas palavras a assustava.

— Minha criança, entenda algo! — começou Catherine, encarando Ayla — O mundo pertence aos poderosos, e riqueza é sinônimo de poder. E sempre haverá alguém que é submisso a outro alguém, isto se chama hierarquia.

— Vossa majestade nasceu na casa Thudor, não é? — perguntou Ayla, recebendo um assentir em resposta vindo da rainha — A casa Thudor não era uma das casas mais ricas do continente? Mas de quê lhe serviu esse dinheiro quando as tropas do rei de Midlenton invadiram seus territórios até que a única opção que lhe restava para viver fosse casar-se com um homem desconhecido?

Ayla sabia que talvez tivesse ido longe demais em seu argumento. Sabia que a julgar pela expressão da rainha, não deveria ter falado aquilo. Mas não conseguiu conter seus pensamentos e opiniões.

— Não, alteza, dinheiro não é poder, e este a opinião lhe confunde! — concluiu Ayla.

Ela esperava que fosse receber uma resposta a altura vindo da rainha, mas a mesma apenas a encarou com uma expressão indecifrável. E antes de dar as costas à jovem Windsor, a rainha falou.

— Tem muito a aprender! — disse Catherine — Tenha uma boa noite, minha criança!

E saiu, indo em direção ao salão de baile novamente, deixando Ayla a deriva em seus pensamento enquanto era engolida pela noite.

Um príncipe para lady Ayla (Livro II) {CONCLUÍDA}Onde histórias criam vida. Descubra agora