As amigas subiram a movimentada Rua Augusta juntas, mas em silêncio. Gostavam de pensar que estavam confortáveis daquela maneira, a amizade já era madura o suficiente para não precisarem puxar um assunto qualquer. No entanto, não era verdade. Tanto Elisa, quanto Dani, vinham mantendo segredos uma da outra. Nada que causasse grandes danos à amizade, mas um pequeno distanciamento era notável.
Secretamente, Lisa se via menosprezada. Após adquirir o hábito de acumular palavras e semear brigas em casa, a garota tinha medo de perder seus únicos momentos de paz, por isso optava por cometer os mesmos erros com Daniela. Notava um afastamento repentino da amiga de tantos anos, e imaginava ser por conta da faculdade. Ela viveria experiências que a pequena só havia visto nas telas ou páginas. Sobre o que elas conversariam quando Dani estivesse longe? Não tinha coragem de perguntar, ou melhor, tinha medo da resposta. Receio de que sua intuição estivesse correta e amizade tivesse os dias contados.
Quarteirão atrás de quarteirão, a vontade de contar para a menina sobre BeetleJuice aumentava, assim como a amiga queria questionar sobre um possível beijo, mas não o fazia.
Em Elisa, livre do efeito da bebida e dos sentimentos, restou somente a ressaca emocional. No entanto, Dani ainda estava acometida pelo líquido misterioso e, ao virarem na Avenida Paulista, desatou a falar, ainda que sobre assuntos aleatórios.
Como elas haviam chegado a esse ponto?
Sem prestar a menor atenção na conversa, a pequena se lembrou de quando as duas se conheceram. Mesmo na primeira série as meninas já eram extremamente diferentes, mas inseparáveis.
Com uma mãe que ficou viúva muito cedo, Daniela foi criada para ser independente e madura desde sempre. Era ela quem livrava as duas das confusões, como quando Lisa teve a brilhante ideia de tentar copiar a prova de matemática no computador da Professora Nadine porque estava convencida de que pegaria recuperação se não fizesse isso, e a inspetora do colégio chegou exatamente quando as duas estavam com as mãos na botija.
A participação de Dani também foi essencial para que Felipe se recuperasse após o final de relacionamento com Kamila. A amiga de Lisa era ótima em falar sobre sentimentos, e os três conversavam por horas a fio depois da fatídica festa junina.
No entanto, por se conhecerem muito bem, Lisa sabia exatamente os truques usados por sua amiga para que as pessoas se abrissem, e ela se fechava conscientemente para cada um deles. Era fácil conversar sobre como se sentia em relação à mãe, mas difícil assumir que suas dúvidas atuais eram sobre a amizade também.
A pequena se lembrava de quando as duas passavam a tarde toda brincando de Barbie no chão do quarto, e do fato de que elas só possuíam um Ken, por isso nunca poderiam ter um namorado de faz de conta ao mesmo tempo. Isso parecia um problemão na época, ambas faziam planos para pedir o brinquedo de Natal, mas, quando a data chegou, elas já não amavam tanto bonecas.
E então, Lisa se sentia insegura sobre o que elas fariam depois da fase das brincadeiras. Deixariam de se encontrar? Parecia impossível ter assunto para o intervalo do colégio e para conversar de tarde. Mas só parecia. De repente, os interesses eram outros, e as meninas descobriram as novidades juntas, como sempre. Pintaram unhas, descoloriram cabelos e conversaram sobre garotos por mais tempo que poderiam imaginar.
Só que a faculdade as separaria de vez, seriam experiências completamente opostas. Dani estava sempre pronta para mudanças, fazia amigos com facilidade. Elisa, não. Ela gostava de ter poucos colegas, gostava de uma rotina conhecida. Quando começou a trabalhar na livraria, todos se surpreenderam com esse ato que modificaria sua rotina por completo. Ninguém sabia exatamente o real motivo pelo qual ela procurou esse emprego.
"Você não ouviu uma só coisa do que eu disse, não é?"
Envergonhada, Lisa ainda tentou fingir que estava prestando atenção, mas não conseguia se lembrar de nenhuma palavra da amiga nos últimos minutos, nem ao menos para não parecer tão rude.
"Tem tanta coisa na minha cabeça, que as vezes eu gostaria de ter um botão de desligar os pensamentos."
"Finalmente você percebeu, Lisa!" A menina acrescentou, rindo. Para ela, era óbvio o quanto a garota vivia no mundo da lua desde que se conheceram. Sempre tão absorta em suas próprias fantasias que nem ao menos conseguia viver o mundo fora de sua cabeça.
A criatividade era sim a maior qualidade de Elisa, que viveu em meio à livros, histórias e canções por todos esses anos. No entanto, as expectativas irreais que ela acabava criando minavam as chances de aproveitar as coisas boas que estavam acontecendo ao seu redor, enquanto ela estava muito ocupada sonhando.
"Eu não acho que sua distração é de tudo ruim. Quero dizer, você se concentra como ninguém em seus pensamentos. Mas a que custo? E tudo que você perde aqui fora? Às vezes, é bastante difícil manter uma conversa, sabe? Parece que tudo que estou falando é desinteressante..."
Lisa nunca imaginou que Dani se sentisse dessa maneira. Ela não se considerava egoísta, mas aparentemente as pessoas ao seu redor precisavam de mais atenção do que ela estava disponibilizando no momento.
Confessando que nunca quis que a amiga pensasse uma coisa dessas, a pequena pediu ajuda. O que ela poderia fazer para melhorar nesse quesito? Seria realmente possível calar um pouco todas as preocupações dentro dela, mesmo que por alguns instantes?
"Por mais esquisito que pareça, eu acho que você precisa primeiro parar para se entender, para depois conseguir prestar atenção a sua volta. Se seus pensamentos precisam invadir tanto assim seu cotidiano, acredito que você não está lidando com todas as coisas aí dentro, né?" Apontando para o peito da amiga, Dani deu um sorriso. O primeiro passo para melhorar era reconhecer que havia um problema, e Lisa estava fazendo isso. E então, a garota continuou atenta a conversa, aprendendo a melhor maneira para começar a se ouvir.
Para mim, um dos momentos mais estressantes da vida foi a escolha da profissão.
Eu sempre quis sair de casa, então achava que, por ter essa certeza, não seria assim tão difícil.Iludida.
Como falei em outras notas, não fui feliz com a escolha do curso que fiz. Mas, antes mesmo disso, tive que lidar com todo o estresse da escolha em si e com o fato de que, mesmo que meus colegas de classe estivessem passando pelas mesmas coisas, é extremamente difícil conversar e se identificar nesse período, porque todo mundo está a ponto de explodir.
Será que existia alguma forma melhor de lidar com todos aqueles sentimentos? Hoje, eu acredito que sim, e a Lisa tem sorte porque a Dani também acredita.
Tomara que, se você estiver passando por isso ou por alguma outra situação interna que não está conseguindo colocar pra fora, os conselhos da Dani te ajudem um pouquinho também (:
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Você Vai Conhecer o Amor da Sua Vida
Romansa🎖 Eleita uma das Melhores Histórias de 2020 pelos Embaixadores do Wattpad. Elisa sofre de uma condição não muito grave e bastante comum na sociedade, chamada de Síndrome do Garoto Perfeito. Se você apresenta sintomas como: paixonite aguda por perso...