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Por que a vida coloca pessoas em nossas vidas nos momentos mais inoportunos?

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Por que a vida coloca pessoas em nossas vidas nos momentos mais inoportunos?

Assim que pisou no capacho de entrada na porta de casa, esse era o pensamento dominante na mente de Elisa que se repetiu incansavelmente, assim como a playlist em seus ouvidos. Nessa madrugada, o piano com as músicas de Amélie Poulain era a única coisa que conseguia acalmá-la.

A garota também precisava de seu sorvete favorito para esses momentos. Até hoje, o chocolate com marshmallow e as músicas eram responsáveis por curá-las de suas ressacas emocionais. A mistura, para ela, não representava somente uma comida. Era uma ponte entre a normalidade, a rotina que Elisa já conhecia: um sabor de Felipe morando com a família, de ver um filme na sala com a Dani sempre que der na telha, de conversar com a mãe devorando um pote tamanho gigante. Aceitar que o sorvete não será mais produzido, seria aceitar que aquele período realmente acabou.

E como era difícil assumir tudo isso.

Sendo aquela uma situação que Lisa nunca havia estado anteriormente, ela não sabia definir como se sentia, exatamente como Daniela falou. Visto que o sabor preferido também não estava disponível, seria necessária uma nova solução.

Não sei se foi inspirada pela madrugada, ou pelas emoções recém descobertas, mas a pequena resolveu ousar e se pegou sentada em posição de lótus – assim como Dani a havia ensinado – as quatro e trinta e dois da manhã, refletindo como nunca antes havia feito.

Frequentemente, Elisa resumia o que estava sentindo em "estou puta da vida". Se estivesse brava, se estivesse triste, decepcionada, angustiada... Não importava para ela entender verdadeiramente o que se passava ali dentro, tudo se resumia a expressão de sempre.

Até hoje.

Dani já havia tentado convencer a amiga a prestar mais atenção a si mesma, mas aquilo nunca fez sentido para Lisa. Essa ideia de se auto observar parecia só mais uma perda de tempo, algo que pode funcionar para os outros, mas não para ela.

No entanto, como ela conseguiria transportar as emoções para um sorvete, se não sabia ao menos dizer quais eram elas?

Por isso, estava disposta a tentar.

Sentada diretamente no chão, os pelos de suas pernas arrepiaram pelo contato com o porcelanato, e alguns fios de seus cabelos insistiam em lutar contra o gel que os segurava e se aproveitaram do vento da madrugada para isso. No condomínio afastado de todos os carros, o silêncio a engoliu e Lisa ficou receosa.

Estar presente a apavorava.

Ela abriu os olhos e anotou em um papel a primeira palavra:

Medo.

Lutando contra todos os pensamentos que pareciam querer dominar sua mente, a menina procurou se focar em sua respiração, ou nas sensações em volta de seu corpo. Dessa maneira, ela conseguiria parar de viajar para outros tempos e momentos.

De repente, mais uma sensação se clareou:

Ansiedade.

Com o passar dos minutos, não havia mais milhares de pensamentos em sua cabeça. Somente um permaneceu: BeetleJuice. Parada e com a atenção voltada para o si própria, Lisa pode notar seu coração acelerar. Não seria preciso anotar essa emoção.

Apoiando as duas mãos no chão, levantou-se rapidamente em direção a cozinha. Os primeiros raios de luz invadiam a janela e ela não conseguia se lembrar da última vez que havia presenciado o nascer do sol. O horário de verão era realmente incrível.

Por conta da compra realizada mais cedo com a mãe, havia ainda uma quantidade suficiente de chocolate para um novo sabor, mas foi necessária uma pesquisa na internet para encontrar os demais ingredientes que se encaixariam no que ela estava procurando.

"Menta não, eu odeio menta. Rum também não! Não consigo consumir mais uma gota de álcool hoje. Pimenta!"

Em algumas outras casas, seria difícil encontrar exatamente o tipo que estava procurando, mas não ali. Felipe era viciado em geleia de pimenta, e os Lima possuíam um estoque guardado.

Vestindo um avental por cima de sua fantasia – e torcendo para que sua mãe não acordasse cedo e notasse que a garota ainda nem sequer havia se trocado – Lisa iniciou os preparativos.

O cheiro do pó de cacau espalhado pelo ambiente trazia uma sensação de aconchego, exatamente o que ela precisava para acalmar os ânimos. Enquanto experimentava o sabor da mistura, Elisa sentiu o coração acelerar com a pimenta, assim como com BeetleJuice.

Ao final, com a sol já alto no céu, o resultado em sua boca foi muito melhor do que o esperado e já não havia mais medo em seus pensamentos. Era como se ela tivesse criado um antídoto para todas as emoções ruins. Mas, o que Elisa ainda não entendia, é que não havia remédio contra sensações. Ela simplesmente as encarou. E, por mais que à primeira vista seja difícil, essa é a única solução.

Enquanto lavava todos os utensílios e aguardava o pote do sorvete no congelador, se pegou notando algo que há muito não percebia: orgulho de si mesma. Por alguns instantes, as emoções que a atormentavam deram uma trégua e ali, as cinco e cinquenta e seis da manhã de um domingo, Elisa foi verdadeiramente feliz sozinha.

Sem saber se amanhã acordaria da mesma forma, a garota evitou ao máximo deitar-se. Mas as pálpebras estavam cada vez mais pesadas e ela não aguentaria até s mistura ficar pronto para prová-la na temperatura ideal. Quanto mais cedo se deitasse, mais ânimo teria para levantar e provar sua invenção.

Tirou seu vestido todo preto e jurou que conseguia sentir o perfume do garoto nele.

Será que estavam tão perto assim?

A sensação da água caindo em seus fios de cabelo e emancipando os cachos que protestavam contra o gel foi libertadora, assim como a trégua dada a suas pernas quando ela finalmente se esticou na cama.

Diferente da noite anterior, Lisa finalmente se deixou descansar. Antes de adormecer completamente, reviveu algumas cenas do dia que passou: as conversas com a amiga pelas ruas de São Paulo e as dicas sobre como colocar para fora seus sentimentos, o sorvete feito com a mãe e, principalmente, todos os detalhes que ela poderia se lembrar do garoto fantasiado: seus olhos ligeiramente esverdeados, sua roupa listrada improvisada, com os riscos pretos feitos de fita adesiva e suas ideias que – na opinião da menina – eram o que faziam dele realmente especial.

Quando o sol já estava muito alto e o calor tornou insuportável continuar embolada em sua cama, seus olhos abriram vagorosamente, mas sua mente já estava trabalhando. No entanto, nada tinha a ver com o sorvete:

"Eu nem ao menos sei o nome dele".

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