Postura, charme, elegância

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Clara

Que as arianas me perdoem, mas as leoninas, com sua confiança, criatividade, capacidade de liderança e atração pelos holofotes, nasceram para brilhar. Como uma delas, eu faço e aconteço, mas, claro, meu ascendente em aquário não permite que eu aja sem antes traçar um plano. Tá, sou um ser paradoxal e complexo, admito, mas você tem que concordar comigo: isso é típico de todo artista nato.

Tenho apenas dezesseis anos, mas meu plano rumo ao estrelato já foi muito bem arquitetado, por mim mesma, com base na carreira brilhante e estratosférica da minha ídola, Tia Bella. Ou seja, está tudo sob controle. Já cuidei de cada detalhe e também ouço os conselhos da mamãe, que, como Miss Monte Belo da década de 2000, é conhecedora dos requisitos que uma mulher precisa corresponder para brilhar. Ah, claro, não posso me esquecer do Ruy, devotíssimo do estilo e do bom gosto, conselheiro de moda que pego emprestado da minha diva às vezes.

Uma das dicas mais sábias da D. Fabiana, minha mãe, é: "Não basta ser bonita, tem que ser simpática e inteligente". E é por isso que otimizo meu tempo aliando o esforço pela beleza à busca pela mente sã.

Por falar em mente saudável, muita gente tem um livro de cabeceira... Eu, apesar de adorar ler, tenho mesmo é um livro de corrimão, dicionário de capa dura, com um mundo inteirinho de verbetes e trocentas páginas. Ele é meu aliado na busca pela postura perfeita e pelo cérebro turbinado. Como funciona? Calma, já, já, chego lá, primeiro quero contar como começo meu fim de semana.

Não gosto de acordar cedo aos sábados, mas é sina das divas, que precisam estar em forma, praticar exercícios, e para mim é dia de aula de dança no principal estúdio de Monte Belo, que eu frequento religiosamente toda semana.

— Já tô indo, pai! — gritei do alto da escada.

Lembra do livro de corrimão de que falei lá em cima? Pois é, peguei o dito cujo, meu dicionário que fica sempre ali, a postos me esperando, equilibrei sobre a cabeça e desci os degraus com pose de rainha. Postura, charme, elegância...

Quando já estava no último degrau, papai voltou a me apressar gritando lá da varanda; mas ele conhecia o ritual, eu não podia sair de casa sem antes ler meus três sagrados verbetes:

— "Excelso" — recitei em voz alta. — "Que tem qualidades muito superiores = excelente, sublime; ilustre, magnificente."

Li mais dois e, quando papai estava a ponto de me deixar para trás, saí correndo para fora.

Um pouco mais tarde, ao chegar a Monte Belo, ele me deixou em frente ao estúdio. Entrei confiante na academia e, sabe aquela sensação de que algo muito importante vai acontecer, aquele friozinho persistente na barriga, aquele arrepio que vem de repente, subindo desde o dedinho do pé até a ponta do último fio de cabelo? Pois é, eu não senti nada disso, jamais poderia imaginar que aquele dia supernormal, normalíssimo de sábado, em que eu me preparava para meu grandioso futuro, seria o prenúncio do fim... e de um começo muito louco também. E, já que estava tudo normal, eu só me troquei e me juntei às meninas que já se postavam sobre o tablado.

— E um, dois... — Leila, minha professora de dança, grasnou. Abri a perna direita e subi os braços, descendo-os devagar num arco gracioso (pelo menos era o que eu achava) —... três, quatro, chassé! Cinco, seis, sete, oito, inverteu!

Fiquei um pouco tonta na hora de inverter o triângulo (a nossa formação no tablado, tipo um bando de aves migratórias, sabe?) e quase transformei aquilo em um triângulo obtusângulo, um troço meio torto, tipo uma asa de galinha empenada (nunca fui muito boa em geometria), mas foi tudo culpa do giro que eu tinha que dar no momento de mudar a formação.

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora