Na alegria e na tristeza

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Ruy

Sinceramente, este lugar é o fim do mundo. Precisava ser tão longe da civilização? Estou suando em bicas e minha fina camada de base em pó, caríssima, está manchando a camisa, que, em algum momento na vida, foi branca.

Espero que Dona Ana seja uma excelente passadeira, senão vou ter que repensar meu guarda-roupa. Isso me faz pensar que não comprei uma máquina "lava e seca" para a casa nova (ou humilde casebre de sapê no meio do nada, sendo realista). Retiro o moleskine rosa (eu e a Faraônica temos uma igual) da minha bolsa de couro.

Preciso fazer uma pausa para falar sobre isso. Todos os melhores amigos de infância têm um pacto de sangue, uma tatuagem em comum, uma pulseirinha de praia. Eu e o Monumento não temos nada disso, somos únicos. Temos um moleskine rosa, com detalhes em rosê e nossas iniciais gravadas. Eu dei a ela de presente no dia em que ficou noiva. Achei tão romântico quando me colocou como cláusula no contrato de casamento. Essa mulher realmente não existe.

— Dr. Ruy. O senhor vai precisar que eu fique? — Sr. Antônio me tira das minhas doces recordações.

— O que é isso, Toninho? Já disse que essa formalidade só é necessária na frente das pessoas. Ainda sou o mesmo. — O motorista, que um dia foi do Lucca e não é mais graças ao meu incrível poder de persuasão, sorri e balança a cabeça. — Pode vir com sua esposa e o séquito que conseguimos para o mutirão das abóboras, no ônibus que aluguei. Acha que a Filomena vai gostar de Monte Belo? Pensa bem no que já te disse, motorista do prefeito é uma ótima referência na sua carteira.

— Já estou quase na hora de me aposentar, meu filho. — Toninho diminui a temperatura do ar-condicionado. — Mas a Filomena, com certeza, vai amar morar aqui. O senhor tem certeza de que a D. Isabella vai querer a gente aqui?

— Confie em mim. Toninho, você e a Filó terão a aposentadoria que merecem. Tudo certo para a mudança?

— Já fechei o caminhão, e sábado, quando vocês voltarem da festa, a casa já vai estar pronta. A Rosa tá cuidando de tudo.

— Vocês são os melhores assessores do assessor.

É sempre importante elogiar um colaborador, não é mesmo? Você os motiva, faz com que eles trabalhem satisfeitos e sorridentes. Isso eu aprendi com a Faraônica. Não que ela faça isso intencionalmente, é sempre tão gentil com todos, que é impossível não cair de joelhos diante dela.

— Já sabe o que fazer com as malas, né? — Dou as últimas instruções para o "elementar Toninho Watson", logo que o SUV rompe os portões da Estância Buriti.

Essa plaquinha está precisando de uma renovada. Anoto no caderninho e me preparo para a batalha.

Ao longe vejo Chefíssimo, galopando como um príncipe moderno e malvestido (um sapo), pronto para ser beijado pela princesa (no caso eu) e se transformar no soberano dos soberanos. Se eu fosse a Miss Xuxu...

Respiro fundo e entro no personagem, incorporo. Passo a mão pelo rosto tentando encontrar o George Clooney que vive dentro de mim.

Sinalizo para que meu eficiente motorista pare o carro e desembarco sentindo-me oitenta centímetros mais alto — um metro na verdade, porque a palmilha que estou usando já é uma ajuda considerável.

Voltando para a cena de filme... Galopando como um príncipe valente (Chefíssimo precisa cortar o cabelo. Vou ter que dar um jeito nisso.), ele vem em minha direção e puxa as rédeas. Até o cavalo desse homem é bonito. Por Santa Rita, uns com tanto e outros com tão pouco!

— É agora que eu infarto de vez. — Ele me recepciona com um sorriso debochado, mas noto que sente certo alívio em me ver.

Desmonta revelando as coxas grossas, torneadas pelo trabalho duro no campo. Chega! Concentra, Cinderela iludida.

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora