Clara
"Nada como um dia após o outro", já dizia Tia Lelene, A Sábia. Confirmando esse conhecimento infalível e ancestral produzido na Era Paleozoica (que ela não me ouça), entrei na escola, no dia seguinte, sentindo-me uma diva renascida das cinzas. O circo de horrores que minhas "coleguinhas queridas" pintavam flopava dando lugar à melhor festa que Monte Belo, região e, quiçá, o estado inteirinho já viram.
Senti o impacto logo na entrada, sorrisos simpáticos, mãozinhas se abanando em minha direção. Claro que eu também tinha mexido meus pauzinhos, contando uns detalhes suculentos sobre a festa, ontem mesmo, à noite, pelo WhatsApp, para a Marina, mais conhecida como "língua cabeluda", devido aos seus dons nada sutis para a comunicação. Se você precisa que uma notícia se alastre, pode contar com ela. Como eu esperava, a garota se encarregou de espalhar para meio mundo a notícia de que ninguém menos que Ruy Castro e Isabella Sampaio estavam metidos até o pescoço na organização da festa dos gêmeos.
Nunca fui tão assediada. Até o Matheus Henrique me parou no caminho e eu pensei que ele ia me pedir um autógrafo, mas não (revirei os olhos), ele só queria me atormentar com aquela ideia louca de se candidatar a presidente do grêmio. Queria que eu fosse cabo eleitoral dele e saísse por aí distribuindo santinhos, eu hein, enlouqueceu.
— Por que você tem que ser tão difícil? Não custa nada me dar uma força!
— Matheus Henrique, eu ainda não estou conversando com você.
— Ih, até agora está emburrada por causa dos "Dedos Horripilantes" que convenci o Ruy a aceitar? — ele falava de uns biscoitos em forma de dedos, com unhas de amêndoa, recheados com geleia de morango, iguaizinhos aos dedos da Mão, aquele personagem medonho dos anos 80, de um filme sinistro a que ele vive assistindo com o papai.
— Claro! Aquilo é nojento e aquelas unhas de amêndoas parecem cobertas de frieira, com sangue nos cantinhos, argh!
— Se eu deixasse tudo por sua conta e do Ruy, nossa festa ia ficar igual à carruagem da Cinderela.
— E desde quando você entende de festas, Matheus Henrique?!
— Eu tinha direito de dar pelo menos um palpite na minha festa de aniversário, né!
— Não quero saber; ou você abre mão dos Dedos Horripilantes, ou nada feito, não conte nem com meu voto! — encerrei o assunto e o deixei espumando de raiva.
Joguei um beijinho para a "fofa" da Aline, que com certeza já estava de olho em um convite, e continuei seguindo meu caminho. Ainda bem que os convites já estavam prontos, Ruy tinha acabado de me enviar pelo WhatsApp. Eu não via a hora de começar a distribuir.
Na sala de aula, antes que a professora chegasse, um círculo se formou ao meu redor, e eu aproveitei para contar só um pouquinho do que iria rolar na festa. Num nanossegundo a notícia viralizou e eu recebi uma enxurrada de mensagens, todo mundo pedindo convite. Logo a professora de matemática chegou, o tempo fechou e a galera dispersou, cada um ocupando seu lugar.
Algum tempo depois, respirei aliviada ao ouvir o sinal, quando a professora de português entrou na sala; aquela aula de matemática tinha dado um nó no meu cérebro com aquelas funções trigonométricas dos infernos. Essa coisa não é de Deus, não, gente!
Mal a minha ídola número dois, a professora fofa de português, tinha começado a falar, notei que uma cadeira se arrastava para perto de mim.
— Posso fazer dupla com você?
— Ahn... pode, lógico. — Peter Parker era aquele tipo de aluno que é bom em tudo, o típico cabeçudo, e nem sei por que tinha resolvido fazer dupla logo comigo, uma simples mortal, rainha da nota 7 em matemática.
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Deu Ruim
RomanceNo auge de seus dezesseis anos, Clara sonha em ser como sua tia, a subcelebridade, diva insuperável, Isabella Sampaio. Com os olhos no futuro, ela planeja a própria e estratosférica ascensão para o tapete vermelho da fama e do glamour. Já a famosa...