Lar, doce lar

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Bella


No dia seguinte, acordei pra lá do meio-dia, com o cheiro do frango assado que a vovó fazia. Era como voltar no tempo. A mesma casa, o mesmo quarto, a mesma vida.

Foi impossível não me emocionar ao abraçar o Rodrigo, quando cheguei à cozinha. Como era bom voltar para casa, mesmo que ela já não fosse mais minha.

Sei que posso contar com o Ruy para o que precisar, ele foi um anjo enviado por Deus. Mas o Rodrigo, a Fabiana e meus sobrinhos são a minha família.

Enquanto eu era uma criança de nove anos, ele virava pai, aos dezessete, e de gêmeos. Dá para imaginar quanta fralda já troquei?

— Ainda bem que você acordou. Preciso que me ajude a convencer a Fabi a ir comigo à feira de Belo Vale. — Rodrigo me deu um beijo no rosto e voltou para o frango, que estava com uma cara ótima.

— Não dê ouvidos ao seu irmão, Bellinha. Ele quer que eu passe dois dias fora sendo que você mal chegou. — A Fabi virava um pudim, que fez meu estômago revirar de fome. — Ele não faz ideia de tudo que preciso resolver para o aniversário dos meninos.

Peguei um pêssego na fruteira e me sentei num banco alto.

— Se eu fosse você, iria. — Dei outra mordida generosa. — Uns dias naquele hotel-fazenda, só você e esse monte de lixo aí que você atura há uns bons anos.

— Nem vou responder. — Ela colocou o pudim na geladeira.

— Deixa de graça, Fabi, fala que não está louca para usar as roupas novas.

— Que roupas novas? — meu irmão perguntou interessado.

— Nada de mais. Só uns presentinhos que eu trouxe para ela ontem do shopping. O Rodrigo vai amar a camisola nova.

— Camisola? — Pela cara que meu irmão fez, tive certeza de que tinha conseguido distraí-lo.

— Você me paga — Fabi sussurrou no meu ouvido, fingindo que estava brava.

Deixei a cozinha para que os pombinhos se resolvessem, mas Fabi foi mais esperta; logo veio atrás de mim.

— Gostou de ver o Caio? — Nem me olhou, fingiu aquela cara de compenetrada cínica com que adorava me provocar.

— Me respeita, sou uma senhora casada.

— Mas não é cega. Foi golpe baixo falar das roupas.

— Relaxa um pouco, Fabi, eu já cuidei das crianças antes.

— Mas... E o aniversário?

— Não confia em mim? Passa a lista de tudo, e vejo o que posso fazer. Vai ser bom me manter ocupada.

— Você deveria ficar para sempre, Bella. A estância é sua.

— É nossa. — Beijei o rosto dela e saí para a varanda.

Respirei fundo pensando no quanto minha vida tinha mudado, mal sabia o quanto ainda iria mudar. Um pedido de divórcio, uma longa viagem, um atolamento; descobri que vim para Monte Belo com as roupas do corpo, tudo isso em um só dia.

Mas é para isso que existem os dias seguintes. Para comer o frango do Rodrigo, feito com a receita da vovó. Pudim da Fabiana e três dias com meus sobrinhos... Com o Caio. Com a Katharina...

Parei no lugar, como uma lagartixa com medo da chinelada, na hora em que eles entraram. A Kath é meio tímida, não olhava muito para mim. Isso doeu. Será que o Caio contou a ela...

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora