Donzela em Perigo

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Bella

Ao entrar na estrada de terra em direção à estância, respirei fundo. Peguei o caminho mais longo e esburacado, olhando o cenário nostálgica. Como sentia saudades do cheiro desse lugar. A Estância Buriti era o único lugar do mundo em que eu me sentia em casa de verdade. 

Apesar da exuberância e do mundo de possibilidades do Rio de Janeiro, Monte Belo sempre foi o meu lar. Ali as pessoas me viam como a filha do Chico e da Mariinha. A irmã do Rodrigo. Não aquela que aparece na TV e na revista. Uma pessoa comum, com erros e acertos.

Talvez eu não me orgulhe de tudo que fiz. Gostaria de ter feito escolhas melhores, mas naquela época não via outra saída.

Com dezoito anos, eu havia me mudado daqui por causa de uma proposta que parecia irrecusável. Sempre amei dançar, e fui ingênua ao acreditar que ganharia a vida assim; foi necessário muito mais para salvar o patrimônio de minha família. De alguma forma, eu me orgulho, pois, afinal, foram meus erros e acertos que me ajudaram a manter a estância de pé.

Rodrigo, meu irmão oito anos mais velho, ainda mora na casa onde crescemos e construiu uma família linda com a Fabiana, que o Ruy apelida carinhosamente de Miss Xuxu.

Minha cunhada sempre foi muito bonita e ganhou o concurso de Miss Monte Belo duas vezes. Sempre desconfiei que o prefeito queria dar o cargo vitalício a ela. Uma esposa dedicada, mãe exemplar. A Fabi é o que podemos chamar de mulher perfeita.

Eu tinha nove anos quando meus sobrinhos nasceram, sempre fomos muito grudados. Depois do casamento com o Lucca, eu me afastei, mas pelo menos uma vez por semana falava com eles. Acho que vou me assustar quando vir a Clarinha e o Matheus. Os gêmeos estão prestes a fazer dezessete.

Por muito tempo me achei covarde por ter ido embora abandonando minhas raízes, mas foi o Ruy quem me ensinou que a covardia não estava em partir, e sim em ficar. Não havia nenhum mal em buscar o novo, ampliar os horizontes, as formas de ver e de pensar. Mas viver dentro do próprio mundo, trancado nas próprias certezas, é o maior ato de covardia que alguém pode cometer.

Ao ouvir um barulho seco, eu me dei conta de que não saía do lugar enquanto lutava contra o acelerador. Estava afundando e as rodas patinavam criando um chafariz de lama. Mas o desespero maior veio quando todas as luzes do painel se apagaram.

Que droga! Abaixei a cabeça no volante, com medo de abrir a porta e ver o tamanho do estrago. Como não vi a porcaria da poça? Aliás, isso não é uma poça é uma cratera.

Desci do carro e, como Ruy havia previsto, perdi meu primeiro par de sapatos. Umas sapatilhas lindas que eu tinha ganhado de uma coleção superfofa. Olhei para a caçamba e vi que minhas duas malas estavam cobertas de lama. Perda total, eu acho.

Liguei meu celular. Demorou uma eternidade até que ele desse sinal de vida. Ignorei a enxurrada de mensagens de áudio que Ruy havia deixado e disquei para a casa do meu irmão.

— O que é? — Quase não reconheci a voz do Matheus.

Como pode mudar tanto, tão rápido? Só identifiquei porque o Rodrigo gritou o nome dele, no fundo, advertindo pela falta de modos.

— Matheus?

— Tia Bella?

— Que voz é essa? Tá virando macho?

— Não vou responder à altura porque papai está aqui do lado. E aí, tia? Que dia você vem nos visitar?

— Seu pai não falou?

Ouvi um pequeno tumulto do outro lado da linha e logo em seguida escutei a voz do meu irmão.

— Fala, Bella. Eu ia fazer surpresa para os meninos.

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora