As Divas Também Acordam Estropiadas

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Clara

— Aiiii! Que é isso, gente!!! — Saltei arqueando as costas; alguma coisa tinha espetado meu bumbum, e um grito estridente quase estourou meus tímpanos.

Eu me virei esfregando meu precioso traseiro com uma mão e então notei um vulto, dando-me conta de que havia um invasor na minha cama. Eu mato o Matheus Henrique! Peguei o chinelo e soltei umas lambadas bem-dadas naquele moleque atrevido.

— Pela Carreta de Santa Rita, isso é jeito de me acordar, Clarinha?

Pisquei ao ouvir aquele monte de pano branco (Uma múmia?) falar com a voz da minha tia e, só quando cheguei mais perto, vi que era ela, a minha diva, a Tia Bella, a poderosa das poderosas.

Meu Deus, o que ela fez com aquele cabelo?

— Tia? — perguntei meio com medo de ouvir a resposta. — É você mesmo?

— Você arrancou meu brinco! A única coisa que tinha me restado.

— E você espetou a minha bunda!

Ouvi um clique (Gente, peguei trauma disso, lembro logo do meu salto quebrado.), e a luz do abajur se acendeu deixando que eu visse melhor a múmia, quer dizer, a tia Bella, linda, maravilhosa, majestosa e com um ninho de ratos na cabeça.

— Preciso de uma roupa, não quis abrir seu armário.

— E de uma escova de cabelo, né! Ai, tia, é você mesmo!!!! — e me joguei nos braços dela, que riu correspondendo com um abraço apertado.

— Como você cresceu, Clarinha.

Revirei os olhos.

— Ah, você também, tia! — Sorri e me sentei na cama. — Tá parecendo a Tia Lelene. Cadê sua mala? — perguntei ao me lembrar que ela tinha pedido uma roupa.

— O que sobrou delas, né? Atolei o carro do Lucca, demorei um século limpando as malas. Temos um estoque de maquiagem para três gerações e metade das minhas botas. Nenhuma calcinha, nenhum moletom, nada... Culpa do Ruy.

— Ai, que sacrilégio, não me diga que foi aquela Louis Vuitton cheia de detalhes coloridos... — Meu coração chegou a doer.

— Essa eu dei para o Ruy como suborno, para ele não vir comigo.

Ai, agora é que doeu mesmo, uma mala linda daquela dada assim, como se não fosse nada.

— Tem algum lugar decente em Monte Belo onde podemos comprar roupas, ou só em Bela Vista?

Deixei os ombros afundarem quase até o chão, não conseguia nem pensar nesse tipo de "lugar decente" depois do meu mico no shopping.

— Que carinha é essa?

— Ai, tia, a tragédia das tragédias, sacrifiquei, matei e sepultei o último fragmento da minha dignidade hoje.

— O que seria digno de tanto drama? E eu achei que tinha me livrado do Ruy.

— O vexame dos vexames, meu salto quebrou e eu desfilei com as quatro patas no chão, na frente do Thiago Malta.

— Salto quebrado? Um dia caí de cara no calçadão de Copacabana. O Thiago é o seu crush?

— É. Ou era, porque o mais fofo, lindo, inteligente, viajado, culto e descolado garoto de Monte Belo jamais olharia para um ser de reputação despedaçada como eu! Acabou, tia! Agora ele nunca mais vai olhar pra mim. Vou virar motivo de chacota no colégio, quando Matheus Henrique der com a língua nos dentes. Nem quero ir à matinê no clube... Aliás, nunca mais vou sair de casa, vou passar o resto dos meus dias aqui, vendo novela mexicana e comendo com a Katharina, até o mundo acabar e eu explodir.

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora