Meu Maravilhoso Mundo (Só que não)

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Clara

Tia Bella e Tio Caio... Quando, como? Por que eu nunca soube? E o Lucca? Então era tudo mentira? O casamento, o amor, tudo... Uma jogada de marketing?

A sensação que tenho é de que caí de paraquedas num mundo paralelo, um mundo que não conheço.

Continuo sentada na tampa da privada, abraçada aos joelhos. Estarrecida, a respiração ofegante. Tenho medo de sair, medo de encarar essa realidade desconhecida.

Gostaria de poder dizer que a Tia Bella me deixou sozinha e no silêncio, mas a verdade é que, neste momento, minha mente é um verdadeiro turbilhão, uma bagunça cheia de ruídos conflitantes.

Sorvo as lágrimas e enxugo o rosto com o dorso das mãos, descendo as pernas. Preciso sair daqui, preciso... O quê? Não sei, não sei o que fazer... Nem sei se tenho que agir de alguma forma.

Tomo coragem e me levanto. Abro a porta do cubículo e saio, dando de cara com o espelho. Ele me lembra que eu sequer sou eu. Se bem que, com tudo que ouvi agora da minha tia, com tudo que o Thiago disse sobre mim lá na sala de cinema, eu nem sei mais.

Quem sou eu? A menina escandalosa e atirada que sequer nota que o garoto não está a fim dela? A menina alienada que sonha em ser igual a uma pessoa que sequer conhece?

Encho os pulmões e solto o ar devagar, nunca quis tanto ser eu mesma. Quem sabe assim eu me encontre.

— Quem é você, Clara? — pergunto para a mulher no espelho, mas ela obviamente não sabe. — E você, Isabella? Quem é você?

Sim, preciso perguntar... Tenho a sensação de que, esses anos todos em que sonhei e busquei ser como ela, eu olhava apenas para uma casquinha de cigarra abandonada; ou para o verniz açucarado de uma maçã do amor prestes a sucumbir em sua gaiola de rubi. A verdadeira Isabella estava longe, longe demais de mim. Ou talvez fosse eu mesma quem estivesse longe demais do mundo real.

Cruzo o espaço que me separa da pia. Abro a torneira e lavo inutilmente as manchas vermelhas em minha face. Enxugo o rosto com o papel-toalha e caminho em direção à porta.

Será que o filme acabou? Não quero me encontrar com o Thiago, mesmo que ele não saiba que esta aqui sou eu. O Thiago... O fato de a Tia Bella ter saído da sala atrás de mim pode ter posto tudo a perder, mas... Perder o quê? Um garoto que não me quer, que não me conhece de verdade, que não me admira e nem sabe que eu não bebo refrigerante?

Queria poder dizer que perco pelo que ele é e pelo que poderia acrescentar a minha vida se ficássemos juntos, mas a verdade é que eu mal o conheço. Talvez seja um garoto até legal, talvez não. Por tudo que eu sei, é apenas o menino mais popular da escola. Tenho até vergonha de admitir; até alguns minutos atrás isso parecia ser tudo que importava para mim. Mas a verdade é que não... No fundo eu sempre soube que não.

Expando os pulmões devagar. Estranhamente, saber que ele não é o garoto certo é um alívio. Parece que me livrei de um peso, de uma responsabilidade. Da obrigação de corresponder a expectativas loucas que eu mesma inventei. Por um lado, eu me sinto até bem. Por que será? Não sei, mas tenho a sensação de que logo vou descobrir.

Coloco os pés no corredor e ouço:

— Ei, o que houve?

Ah, o Pedro! Que bom que ele está aqui. Cada célula do meu corpo relaxa aliviada, parece que ele saltou direto da minha mente para o corredor, ainda que eu não estivesse pensando nele. Sinto ímpetos de correr para ele e abraçá-lo. Não posso, Pedro não sabe que esta sou eu. Contenho-me, a mão no batente da porta, segurando forte para me impedir. Fique onde está, Clara.

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora