Clara
Então é isso... A esta altura você já deve ter percebido o que eu quis dizer lá atrás, quando me referi ao aumento assustador do número do meu sutiã e dos arrepios premonitórios que NÃO ocorreram, a saia-justa do destino que me obriga, neste exato momento, a habitar um corpo que não me pertence.
A situação é preocupante, coloca em xeque todos os planos que tracei para bombar nas redes e me tornar a garota mais popular da escola, tirar as jararacuçus do Cerrado do meu caminho, conquistar o crush, enfim, a lista interminável que pavimenta os degraus da fama, que pretendo percorrer.
O que, ainda está confuso? Certo, vou dar um jeito nisso.
Desculpe se eu meio que estou "quebrando a quarta parede" (e, se você não sabe o que é isso, consulte o "Glossário Superprático da Clarinha", no final do capítulo), mas antes de continuar preciso me certificar de que você já sacou o que está acontecendo. Para ser mais clara do que já sou, eu, Clara Tocafundo Sampaio, me olho no espelho e vejo... quem? Quem? Isabella Sampaio, ela mesma, a estrela-mor, minha ídola, a pessoa que eu sempre quis ser.
Resumindo, é isso, eu sou ela e ela sou eu, entããããão, a partir de agora durante a leitura, me ajude e mentalize: quando eu me referir à Tia Bella, pense no meu corpo e, quando eu disser "Clara" (euzinha aqui), pense no corpo da Tia Bella. Mais uma vez: Bella = Clara eeeee Clara = Bella. Não tem erro, eu sei que você vai conseguir!
E é exatamente isso o que eu estou tentando fazer neste instante. Para mim é mais difícil, afinal é o meu corpo que está em poder de outra pessoa (uma adulta "sem noção", diga-se de passagem), você entende, né? Acabo de acordar depois daquele dia fatídico, em que me perdi da minha própria figura e estou aqui, mais uma vez parada na frente do espelho, tentando me acostumar aos silicones que brotaram a minha frente, com os cabelos bem mais curtos que os meus e as mechas (Que, aliás, ficaram bárbaras!) da tia Bella.
Ai, minha Santa Protetora das Almas Extraviadas, o que é que a gente vai fazer? A cada minuto que passa a coisa fica mais complicada; a cada segundo, fica mais evidente a constatação de que eu não sei ser a Tia Bella e de que ela é uma tragédia atuando como Clara. Aquele almoço, ontem, na casa do Tio Caio, deixou isso tudo mais óbvio. Aliás, o que será que aconteceu com ele, será que também está sofrendo desse fenômeno da troca de corpo? Ele estava tão estranho... Quando me cutucou com o pé debaixo da mesa, cheguei a me perguntar se meu padrinho não tinha trocado de corpo com o Matheus; eu hein, não dizia coisa com coisa! Ficou me fazendo umas perguntas estranhas...
Bom, não posso ficar preocupada com a sanidade do meu padrinho quando tenho tantos problemas em que pensar... Eu e minha tia precisamos elaborar urgentemente umas "regrinhas básicas de sobrevivência no corpo alheio", e eu preciso aprender a me comportar feito uma estrela de verdade. Aliás, acho que eu deveria aproveitar: já que não está em minhas mãos mudar a situação em que sem querer me enfiei, por que não me refestelar só um pouquinho?
Vejamos, se eu fosse uma diva completa, absoluta e inquestionável, mais que consolidada no mundo das musas e das celebridades, o que eu faria em uma manhã linda como esta?
Dou uma espiada em minha cama, onde jaz a Tia Bella, dormindo feito uma pedra, aconchegada ao meu corpitcho... As celebridades, provavelmente, não acordam cedo, não faz bem para a pele, mas eu, que a esta hora já deveria estar no colégio, sempre me levanto com as galinhas. Ainda estou suspensa e isso acabou sendo providencial — com um pouco de sorte, recupero meu corpo antes de quarta-feira e evito a tragédia das tragédias, Tia Bella trançando pelos corredores da escola com meu corpo, arrastando minha tão suada imagem nas ribeiras marginais da comunidade escolar de Monte Belo, destruindo minha reputação enquanto se comporta daquele modo lastimável. Nossa, isso soou muito dramático, demais até pra mim, mas a situação pede, é periclitante, preocupante, desesperadora! Ai, não quero nem pensar. Preciso fazer alguma coisa para diminuir essa aflição que cresce aqui dentro, quase tão pesada quanto os peitos da Tia Bella.
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Deu Ruim
RomanceNo auge de seus dezesseis anos, Clara sonha em ser como sua tia, a subcelebridade, diva insuperável, Isabella Sampaio. Com os olhos no futuro, ela planeja a própria e estratosférica ascensão para o tapete vermelho da fama e do glamour. Já a famosa...