A hora da verdade: só a tonta não viu

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Bella

— Clarinha, fala comigo. — Abro a porta do primeiro boxe do banheiro, vazio. — Onde você está, a gente precisa conversar!

O segundo boxe está com a porta escancarada. Empurro a porta do terceiro, trancada.

— Clara, você está aí, não está? — Bato o punho fechado na madeira. — Vi você entrar no banheiro. Deixa de bobagem, sai daí e vamos conversar.

— Não quero conversar — ela responde, a voz embargada.

Está chorando.

— Clarinha, não faz assim... Abre, vai — peço exausta, a testa apoiada à porta.

— Já falei que não, não tenho nada para conversar com você.

— Ah, Clara, não dificulta as coisas... Já estou tão cansada disso tudo...

— E o que é que você quer que eu faça, hein?! — ela se exalta. — Que eu saia daqui e aplauda seu showzinho lá dentro do cinema?

— Showzinho? — pergunto sem acreditar no que ouvi. Como ela pode dizer uma coisa dessas, estou aqui por causa dela! — Clara, você está sendo injusta! Até agora eu fiz tudo como você pediu!

— Não me lembro de ter pedido para você beijar o menino de quem eu gosto!

— Eu não beijei ninguém!

— Por que eu interrompi! Você me traiu! Por que, tia? Eu jamais faria isso com você! Se eu me encontrasse com o Lucca enquanto estou no seu corpo, não deixaria que ele sequer triscasse em mim! Eu te defendi do Tio Caio, e é isso que eu ganho em troca!

— Clara! — exclamo estupefata. — Você acha mesmo que eu tinha alguma intenção de beijar aquele... aquele fedelho?!

— Acho! — responde, e isso me soa como uma bofetada.

— Ah, você acha... — Respiro fundo tentando controlar o misto de raiva e indignação. — Quer saber, Clara, você acha coisas demais. Você acha tudo, mas a verdade é que não sabe de nada!

— Ah, é, não sei, né...

— Não, não sabe — sussurro me virando, repousando as costas sobre a porta do banheiro.

Fecho os olhos e sinto uma pontada na cabeça; quero ir embora, deixar tudo isso pra lá, mas não posso...

Esgotada emocionalmente, eu me sento apoiando-me à porta do boxe. Clara não diz nada, mas ouço o sussurro fraco do seu choro. Balanço a cabeça, os olhos perdidos em um canto qualquer da parede. Como vim parar no meio desse drama juvenil?

O Ruy tem razão, eu protejo demais a Clara, e isso, no fim das contas, a deixa vulnerável. E a mim também. Acho que está na hora, ela tem que saber de tudo.

— Preciso te contar uma história. Talvez eu já devesse ter contado. — Engulo em seco. — Meu casamento com Lucca sempre foi uma mentira. Uma grande jogada de marketing. O contrato acabou, e a qualquer momento a notícia pode vazar.

«Não é fácil ver que o personagem que incorporo como profissão acaba fazendo com que as pessoas mais importantes para mim sofram. E eu nunca quis isso. A minha família é a coisa mais importante para mim.

«Quando eu tinha sete anos — papai tinha acabado de morrer —, Rodrigo precisou vender uma parte do terreno para a D. Margarida e o Sr. Aníbal. Eu estava sentada no tronco do descampado, olhando para a plantação de buriti. Cresci ouvindo sobre projetos para a reforma do casarão, mas na verdade eu sempre quis morar ali.

«Era setembro e, em volta do tronco da árvore, estava cheio de florezinhas brancas. Caio chegou, sentou do meu lado. Eu recostei a cabeça no ombro dele e ele me abraçou. Ele já tinha dezessete anos e dirigia a Jabiraca por aí, eu achava o máximo. Caio era o meu crush. Quase dez anos mais velho, melhor amigo do meu irmão... Ora vinha montado em um cavalo, ora numa Kombi verde-água — que fica marrom na maioria das vezes.

«Caio pediu que eu não ficasse triste. Disse que naquele lugar que minha família tinha vendido para a dele seria construído um castelo. Aquela florzinha que estava do meu lado iria se alastrar pela cerca.

«O tempo passou, mas o que eu sentia nunca passou. Caio me ensinou a dirigir, andávamos a cavalo, ele me ajudava em química... Acabamos ficando juntos. Quando resolvemos contar pra todo mundo sobre nós, apareceu a Kath. Minha mãe morreu deixando uma dívida grande de hospital, o Rodrigo se matava de trabalhar para sustentar todo mundo, e aí veio o convite para fazer o teste no programa de TV.

«A vida do Caio mudou, a minha também. Eu tinha ciúmes da Kath. Era egoísta, orgulhosa, imatura.

«Às vezes ficávamos juntos. Por mais que eu tente, não consigo resistir. Ele é o príncipe do castelo invisível. Que enche a cerca de florezinhas e conhece o melhor e o pior de mim. Sendo bem sincera, estou em Monte Belo por causa dele, por causa da Kath. Era neles que eu pensava enquanto decidia voltar pra casa.

«As pessoas dizem que eu virei um mulherão, mas elas não entendem que eu era um mulherão aos dezoito anos. Quando eu deveria ter escolhido ser a mãe da Kath, a mulher do Caio, mas optei por lutar pelo patrimônio da minha família. Fui mulherão quando caí de paraquedas no Rio e precisei rebolar passando por coisas que jamais havia imaginado, ao mesmo tempo que tranquilizava meu irmão dizendo que estava tudo sob controle. Fui mulherão quando decidi partir, com a certeza de que o meu amor pelo Caio era tão grande que jamais se apagaria. E não se apagou.

«Logo, eu não traí ninguém senão a mim mesma.»

Espero uma resposta que não vem. Desencosto-me da porta do boxe e me levanto do chão frio, limpando as mãos na saia.

— Estou indo para casa; por hoje pra mim, já deu.

Deu RuimOnde histórias criam vida. Descubra agora