Ao ouvir a voz da Tia Marilene (ou Tia Lelene em sua versão pseudomoderna, que ainda usa tubinho de linho), sinto um arrepio percorrer meu corpo juvenil.
Apesar do desespero por ter me encontrado com a bruxa das bruxas, uma emoção travessa me toma de um jeito que eu não sentia há anos. Uau! Como é bom ter dezessete anos novamente.
A bruaca da Tia Lelene coloca as mãos na cintura, ainda parada no meio do caminho. Era só o que me faltava. Ela acha que ainda tenho medo dela? Os tempos mudaram, querida.
Menos, Isabella, muito menos. Foca no problema, que por sinal é bem grave. Você precisa agir rápido.
É claro que ela vai desconfiar e, do jeito que é, em meio minuto de conversa com o Pe. Renato, Monte Belo inteiro vai saber. Se bem que tenho minhas dúvidas de que ele realmente entendeu o que está acontecendo.
Eu imaginava que para uma evolução espiritual fosse necessário calma e sabedoria, e não turbulência e desespero. E a esta altura você já deve ter concordado comigo que essa troca é mais do que uma provação, é um castigo, e dos grandes.
O jeito é aproveitar o misto de vigor e audácia para tomar as rédeas da situação. Se a Clarinha se mexer, eu juro que arranco aqueles silicones dela.
Solto todo o ar dos pulmões pedindo a Deus sabedoria e maturidade para lidar com a situação.
Elegante e graciosa, levanto-me e ofereço um sorriso amistoso.
— Tia Lelene, querida. — Jesus, como é prazeroso chamá-la assim; não imagina quantos trocadilhos vêm à minha cabeça. Foco, Isabella! — Poderia dar um tempo para a Tia Bella? Ela está prestes a tomar uma decisão muito importante e precisa da santa paz para fazer uma oração. Já, já, encontramos a senhora na casa paroquial.
Olho para Clara de soslaio, ela insiste em manter meu corpo corcunda e envergado. Permanece quieta. Muito bem, querida sobrinha, uma estrelinha para você. Merece um guarda-roupa inteirinho — escolhido por mim, é claro.
— Desculpe, Clarinha — Oi? Eu nasci pra ver essa mulher se desculpando? — Você tem razão, não se perturba uma ovelha desgarrada em seu momento com Deus. — Eu não acredito que ela teve o desplante de falar isso na minha cara. Filha d ...
Desculpe, Senhor! Escapuliu. Não me castigue, eu imploro. Olho para cima e, quando volto a atenção para o altar, "A Bruxa do 71" desaparece.
Olho para trás e vejo D. Margarida com mais três senhoras, que não consigo reconhecer, na entrada de igreja. Não tem como ficar pior. Precisamos sair rápido daqui.
Volto a me sentar e empurro a Clara, enquanto pressiono a cabeça dela para baixo. Deslizamos pelo banco de maneira completamente dessincronizadas. Por que essa menina insiste e apontar meus ombros para o chão?
Olho para as mãos dela (as minhas, no caso) e quase sofro uma síncope. O que essa criatura fez com as minhas unhas? Elas estão quebradas, e o esmalte, todo lascado. Preciso marcar uma manicure urgente, pra mim e pra ela.
Costuramos entre os bancos agachadas. Guio minha sobrinha até alcançarmos a porta dos fundos. Quando finalmente chegamos num corredor estreito, consigo respirar aliviada.
Por que fui ouvir o conselho da Clara de usar estas sandálias mesmo? Rapidamente arranco os calçados e fico esperando para que Clara faça o mesmo — a cabeça de tatu colocou uns scarpins de bico fino, com os pés cheios de bolhas, isso vai doer.
Sem tempo para esperá-la, escalo a grade e pulo. Uau, nenhum estalo, nenhuma dorzinha. Malhar com esse corpitcho deve ser maravilhoso. Vou propor à Clarinha uma corridinha matinal.
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Deu Ruim
RomanceNo auge de seus dezesseis anos, Clara sonha em ser como sua tia, a subcelebridade, diva insuperável, Isabella Sampaio. Com os olhos no futuro, ela planeja a própria e estratosférica ascensão para o tapete vermelho da fama e do glamour. Já a famosa...