Trinta e três

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— Mylenna?

Eu abro os olhos. O mundo está confuso e borrado ao meu redor. Preciso piscar algumas vezes para focalizar minha visão e entender onde estou.

Tem uma mulher de branco na minha frente. Aliás, tudo à minha volta é branco. Os lençóis que me cobrem são brancos, o teto é branco, as paredes que cercam esse quartinho são brancas. A única coisa com um pingo de cor é a máquina ao meu lado, que marca os bipes do meu coração.

— Oi — eu digo. Minha voz sai rouca, arrastada. Sinto minha boca seca e grudenta.

— Como está se sentindo? — a mulher pergunta, numa tentativa de português. Está escrito "Enfermeira Alena" no bolso do jaleco dela.

Eu fecho os olhos. Começo a me lembrar dos últimos acontecimentos. O sumiço de Raíssa, o aparecimento de Alice, nossa ida ao cativeiro, Doc com Hari e Gabi, minha queda, Stefani...

— Tonta — eu respondo. 

Ela sorri, daquele jeito que as pessoas sorriem em hospitais, tentando transmitir confiança para os pacientes.

— Você teve sorte — ela diz. — Pode considerar que nasceu de novo.

Eu a encaro.

— Como assim?

— O corte que você fez atingiu parcialmente sua veia femoral. Se fosse um pouco mais profundo, a ponto de rompê-la, você estaria morta.

Eu engasgo, surpresa com a objetividade e frieza dessa mulher. Alguém precisa ensinar o que é empatia para ela.

— Essa veia é famosa por esguichar muito sangue — ela continua. — Se não forem feitos os primeiros socorros logo, o quadro se torna irreversível. Você chegou aqui com um torniquete improvisado, um pedaço de blusa amarrado na perna. Não é o mais adequado em uma situação assim, mas se você estivesse sem aquilo, teria sido muito pior. Sua amiga ajudou a salvar sua vida. — Ela abre um sorriso um pouco exagerado. — Apesar disso, você precisou de uma transfusão de sangue. Em seguida, os médicos fecharam o corte e foi feito um curativo.

— Obrigada — eu digo, meio sem saber o que dizer. — Você sabe... se as outras meninas estão bem?

— Elas estão esperando para te ver — Alena diz. — Mas você precisa estar se sentindo bem para receber visitas.

— Tô ótima — eu respondo. — Só quero ver todas elas logo.

— Você acabou de me dizer que estava tonta — ela observa. — Tem certeza de que quer visitas?

— Tenho — eu afirmo. — Tudo vai passar quando eu vê-las.

Ela me olha de um jeito afetado. Parece amolecer um pouco e deixa de manter a postura tão fria.

— Tá bom — ela cede. — Vou chamar.

Ela sai do quarto e me deixa sozinha com os fios e o cheiro de antisséptico que paira pelo ar.

Eu inspiro fundo e penso em como vim parar aqui. Tento montar uma ordem cronológica dos acontecimentos, mas em um determinado momento os fatos se embaralham na minha cabeça, é difícil dizer de quando são minhas lembranças.

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