Vinte e um

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As sombras das árvores se projetam no quarto em que estamos hospedadas como garras que entram pelas frestas das janelas e arranham os móveis. Eu acompanho a dança frenética que as sombras fazem e tento encontrar nos movimentos alguma fagulha de sono, mas parece que algo impede minhas pálpebras de se fecharem.
À minha volta, as meninas dormem tranquilamente; suas respirações se misturam ao som emitido pelas corujas lá fora. Todas nós chegamos exaustas no novo hotel, mas meu cérebro parece ignorar a informação de que são quatro horas da manhã e eu deveria estar descansando para aproveitar o próximo dia. 

Respira fundo, Raíssa, eu digo para mim mesma. Respira fundo e dorme.

Eu sigo meu próprio conselho por alguns minutos, mas o sono não chega. Meu organismo simplesmente decidiu que o cochilo que tirei no avião é o suficiente por hoje, então resolvo sair das cobertas e ir lá fora. Quem sabe desse jeito o sono aparece.

Abro minha mala do jeito mais silencioso que consigo e tiro dela um casaco qualquer. Visto por cima da blusa do pijama e calço os sapatos que usei no voo.

As meninas continuam imóveis quando eu deixo o quarto.

Esse novo hotel, o Papagayo Resort, é ainda mais bonito que o primeiro. A entrada é marcada por um bloco gigante de gesso que desemboca numa piscina decorada por luzes coloridas. No lado oposto, uma trilha de pedrinhas leva a uma área onde um bar funciona para uns poucos turistas sentados perto do balcão.

Eu me sento num banco de madeira rodeado de árvores perto do bar e deixo o ar da madrugada preencher meus pulmões. Meus olhos se perdem entre a paisagem e meus ouvidos se concentram na música ambiente que sai de uma caixinha de som.

— Ei! Você! — uma voz grita, perturbando o meu momento.

Eu estreito os olhos, em busca da origem do som, e vejo um vulto de cabelos longos encaracolados caminhando na minha direção.

— Oi — eu digo. O vulto se transforma numa garota à medida que se aproxima mais de mim. — Falou comigo?

Ela abre um sorriso. Seus olhos brilham de um jeito peculiar, como se estivesse acontecendo algo muito engraçado. Ela deve ter uns dezesseis ou dezessete anos, mas parece ser mais alta do que eu.

— Com quem mais seria? — ela pergunta.

Eu baixo os olhos.

— Não sei. Nunca te vi na vida.

Ela se senta ao meu lado no banco de madeira.

— Mas eu já. Você é Raíssa, uma das meninas que está viajando com Pauriany, né?

— Sim — eu digo.

— Eu sou muito fã delas — ela continua. — Queria conhecê-las. Você me leva?

— É que... São quatro da manhã. Elas estão dormindo agora.

A garota revira os olhos.

— Eu sei. Mas você pode me levar amanhã.

— Tá — eu falo. — Pode ser. Elas sempre atendem os fãs.

A menina agradece e pede meu número para combinarmos uma hora em que Paula e Hari não estejam ocupadas. Eu fico meio relutante em dar meu número a uma completa estranha, mas ela insiste tanto que acabo cedendo.

— Você também participou do sorteio? — eu pergunto.

— Ah, não... Eu moro aqui dentro. Meu avô é funcionário do hotel, e é ele que cuida de mim.

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