Quatro

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— Morri de novo, My — Stefani diz. Sua voz ecoa pelo meu celular, que já marca três horas de ligação.

— De novo?! — eu pergunto. — Meu Deus, tá ruim hoje, hein?

Eu aperto o botão para reiniciar o jogo. Sempre que eu e Stefani jogamos Pubg juntas, parece que o tempo voa. Só Deus sabe o quanto eu estava com saudades das nossas ligações eternas, de jogar com ela enquanto conversamos sobre assuntos aleatórios e vemos a noite se transformar aos poucos em dia.

— Shiu, agora vai — ela fala, do outro lado da linha.

Nós iniciamos uma partida. Em pouco tempo, o avião do jogo aparece e eu escolho onde cair. Meu coração acelera ao pensar que amanhã estarei num avião na vida real, indo para um lugar maravilhoso com pessoas mais maravilhosas ainda.
Eu caio perto de uma casa, e corro para pegar armamentos e munições.

— Ai, droga, cliquei errado — Stefani diz. — Droga, sou muito burra.

A respiração dela no outro lado da linha está acelerada e sua voz soa um pouco abafada.

— Ste, o que tá acontecendo? — eu pergunto.

— Nada, por quê? — ela responde. Vejo o seu boneco do jogo se mover ao meu lado.

— Você tá estranha.

Eu a escuto engolir em seco.
Os últimos dias foram corridos para nós. O sorteio foi feito em cima da hora, então tivemos que correr para tirar os vistos, renovar os passaportes, conseguir as autorizações das menores de idade, arrumar as malas... Tudo passou tão rápido que eu mal posso acreditar que já é amanhã.

— Não tô estranha — ela fala, mas sabe que eu não estou acreditando nas palavras dela.

— Nem parece que vamos viajar amanhã — eu digo, enquanto atiro em um cara que cruza meu caminho.

Ela fica tanto tempo em silêncio que eu quase penso que a ligação caiu, mas então a escuto falar, baixinho:

— Se eu te contar uma coisa, você promete que guarda segredo?

— Lógico, né — eu digo. — Você sabe que pode confiar em mim.

Eu atiro em outros jogadores; os sons do jogo preenchem meus ouvidos, e o silêncio de Stefani está me agoniando.

— É a Luciana — ela fala, por fim. — Pelo amor de Deus, ela não pode saber que eu estou te contando isso.

— Já estou ficando nervosa — eu digo. Consigo sentir a tensão dela sem que fale uma palavra.

— Ela teve um sonho com a Raíssa.

— Que tipo de sonho? — eu pergunto, tentando dividir a atenção entre a partida e o que ela está falando.

— Não sei muito bem. Algo sobre ela desaparecer. Não foi agora, faz tempo já, mas...

— Mas?

— Mas e se acontecer alguma coisa agora? — ela pergunta. — Quando estivermos juntas.

A área do jogo começa a diminuir, e eu corro para um lugar seguro. Queria poder levar Stefani para algum lugar seguro em sua mente também. Detesto vê-la assim e não poder fazer nada.

— Ei, não se preocupe com isso — eu digo. — Não deixa isso estragar nossa viagem.

— É só que... Ela disse que já sonhou com isso antes. Com uma amiga. E essa amiga desapareceu.

Eu prendo a respiração, mas mantenho meu tom de voz sob controle.

—  Tenho certeza que foi só coincidência — eu digo. — Pense que amanhã estaremos todas juntas, nos divertindo, e que nada de ruim vai acontecer. A Raíssa não vai sumir assim do nada. Amanhã vai ser um dia incrível, e não é hora de ter pensamentos ruins.

— Tem razão — ela fala. — Prometo esquecer isso. Eu só precisava contar pra alguém. Estou guardando pra mim faz tempo.

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