Vinte e nove

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— Então é isso o que você faz pra conseguir o que quer — eu digo, sentindo toda a raiva acumulada nos últimos meses sair de mim de uma vez só. — Você ameaça as pessoas. Obriga todo mundo a fazer suas vontades.

Paulo me encara com um sorriso debochado. Uma de suas mãos está agarrando o braço de Hari; a outra se encontra no meu ombro.

— Existem pessoas que têm esse poder, Gabriela — ele responde. — Alguns mandam, outros obedecem. Essa é a vida.

Eu controlo meu impulso de cuspir nele. Só não faço isso porque não quero correr o risco de errar a mira e cuspir na Hari.

— Não, essa não é a vida — eu retruco. — E você nem gente é.

Eu tento manter a compostura. Sei que Raíssa depende de mim agora. Preciso conseguir distrair Doc até Alice, Stefani e Mylenna chegarem ao cativeiro.

— Eu sou gente — ele fala. — Inclusive sou verificado no Instagram, coisa que você nunca vai ser.

Eu gargalho de incredulidade e desprezo. De perto, ele é ainda pior do que eu imaginava.

— E preciso ter uma conta verificada no Instagram pra ser considerada gente? – eu pergunto.

Ele dá de ombros.

— É sempre bom.

— Eu acho que tem coisa bem mais importante. Ter caráter, por exemplo.

— Ninguém sobrevive sendo gentil o tempo todo  — ele rebate, com uma expressão entediada que me irrita profundamente.

— Acho que sequestrar, assediar e trair pessoas não é só falta de gentileza.

Paulo morde o lábio inferior e tira a mão do meu ombro. Eu não consigo encará-lo.

— Vocês sempre veem as coisas pelo lado da Hariany — ele diz, como se ela não estivesse ali. — Não fazem questão de entender o resto. Acham que tudo o que ela diz é lei.

—  Quando assunto é você, tudo o que ela diz é lei — eu falo.

Ele dá uma risada baixa e faz um sinal para o homem que me segura. O homem automaticamente me aperta mais.

— Vocês não sabem nem da metade — Paulo diz. — Acham que sabem da nossa vida pelo que veem nas redes sociais. Mas isso não é tudo.

— Falou a pessoa que acabou de jogar na minha cara a verificação do Instagram — eu retruco.

— Isso aconteceu por acaso. Mas a verdade é que esse não é o meu mundo.

— Ah, imagina se fosse.

Ele não fala nada. Apenas continua me encarando com aquele sorriso debochado e dá um beijo na bochecha de Hari. Ela limpa o beijo com as costas da mão.

— Eu te odeio tanto — eu murmuro. — Te odeio tanto.

— Gabriela – Hari chama. Seus olhos estão gigantes e escuros. — Por favor... deixa ele.

— Deixar ele? Olha o que ele faz com você! — Eu quase engasgo.

— Não se mete nisso — ela pede, baixinho.

Paulo assiste à cena como se não fizesse parte dela. O homem que me segura continua calado; a única coisa que me impede de esquecer sua presença é sua respiração fedorenta em meu pescoço.

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