2- Atenção

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O sol do começo da manhã aquecia meus ossos enquanto corria entre os carros parados pelo sinaleiro. Péssimo dia para o ônibus quebrar! Eu odiava o transporte público por isso.

Como ele tinha quebrado perto da escola, decidi fazer o resto do caminho andando.

Suada, cansada e ofegante, ouvi o sino do colégio tocar na outra quadra e soltei o ar desacreditada.

Eu não podia acreditar que a minha primeira e única advertência seria por um atraso que nem era culpa minha!

Me apressei a alcançar os portões de ferro do renomado Colégio Firenze.

Ansiosa do jeito que estava, não reparei na motocicleta preta até ser tarde demais.

Fechei os olhos, me preparando para o impacto que nunca veio. Em vez disso só o som alto da freada brusca e o cheiro ocre de borracha queimada enquanto eu ficava parada no meio da rua, incapaz de correr para a calçada ou voltar para o lugar de onde tinha vindo.

Tive a impressão que o calor que vinha da motocicleta perfurava as minhas roupas e queimava a minha pele. Eu olhei para a máquina assustadora a centímetros de mim e soltei o ar. Mas o alívio só durou um segundo até o meu olhar cruzar com o do piloto: Dan. Acho que eu preferia ser atropelada a estar sob aquele olhar azul furioso que faria as geleiras da Antártida parecerem quentes e aconchegantes.

— Você vai sair da frente ou quer que eu te atropele de verdade? — rosnou girando o pulso para fazer o motor roncar feito uma besta.

Eu me encolhi dentro das  roupas largas e corri para o colégio que de repente parecia estar a quilômetros de distância, sendo seguida de perto pela motocicleta e seu piloto. Eu deveria ter pregado chiclete na cruz em outra vida para merecer aquele carma que tinha, sinceramente.

— Bom dia, menina — cumprimentou o porteiro velhinho que eu conhecia desde criança porque ele morava no mesmo bairro que eu morava antes de me mudar.

— Bom dia, seu Agenor — respondi, ainda tremendo um pouco do susto e do olhar que eu sentia nas costas. — Tudo bem?

O homem fez que sim e abriu os portões para mim, a despeito de estar atrasada, em vez de chamar a inspetora para me dar uma advertência. Graças a Deus.

Agradeci e corri pelo pátio/estacionamento grande demais. A Harley-Davidson preta que quase me atropelou foi estacionada e seu dono ainda acendeu um cigarro, absolutamente nem aí com o fato de estar atrasado.

Pensei com os meus botões que deve ser ótimo ser filho do dono e saber que nunca vai ser expulso. Com certeza eu também andaria com aquela arrogância despreocupada em vez de correr.

Embora o pai dele adorasse dizer que Daniel era tratado como apenas mais um aluno, todo mundo sabia que ele fumava no pátio e no banheiro, coisas que fariam um aluno normal ser expulso na hora. Droga, na segunda-feira ele estava fumando praticamente dentro de uma sala de aula!

— Ora, ora... — chamou a inspetora se materializando na minha frente com os dentes arreganhados para mim em um sorriso e achei que fosse cair dura no chão sob seu olhar. — O que temos aqui?

Ai, caramba. Tentei pensar em alguma coisa, qualquer coisa, para justificar estar fora da sala.

Cravei o olhar no prédio onde eu estudava. Ele estava tão perto!

— Eu...

— A culpa é minha — respondeu a voz grave que eu tinha ouvido pouco antes. O cheiro de nicotina e colônia chegou pouco antes dele e eu tossi quando o garoto parou do meu lado, zombeteiro, até o piercing em seu lábio parecia sorrir enquanto ele encarava a mulher de cima, no auge da sua arrogância. — Eu quase atropelei a Sofia.

Mentira Perfeita [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora