32- Sangue nas mãos

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Daniel não podia ser tão idiota assim, eu repetia para mim mesma, encarando a tela do meu celular como se outra mensagem fosse aparecer e desmentir aquela foto medonha, mas o que eu recebi foi o endereço dos Villa-Bôas e um recado escrito "Deixe a polícia fora disso ou o bandidinho vai sofrer". Por isso, eu estava pulando de um carro preto, prestes a entrar na mansão que jurei nunca mais botar os pés.

A casa elegante construída no estilo vitoriano estava às escuras, apenas uma luz estava acesa: no quarto de Kaíque, no segundo andar.

Estremeci e abracei meu próprio corpo como se assim pudesse me proteger dos arrepios me chacoalhavam inteira.

Meus pés pareciam ter se transformado em chumbo conforme eu caminhava lentamente para dentro, sentindo a náusea aumentar a cada centímetro percorrido. Os pitbulls de guarda latiram no canil e estremeci outra vez. E se aquilo fosse uma armadilha?

— Kaíque! — gritei no meio do caminho que levava à entrada principal.

Não houve resposta.

Me xingando, continuei o caminho olhando para todos os lados. As muitas árvores, iluminadas pelos postes da rua,  lançavam sombras fantasmagóricas, transformando galhos em mãos prontas para me agarrar.

Passei pela sala às escuras. Apenas a fonte no jardim de inverno fazia barulho na sala silenciosa e me lembrava horrivelmente do som de um matadouro abandonado. Onde estava todo mundo?

Subi a escadaria até o quarto do meu ex, sentindo a bile quente na garganta a cada passo.

Uma mancha vermelha reluziu sob a luz amarelada que passava sob a porta pintada de branco e estremeci violentamente. Dan estava ali, mas eu não tinha a menor ideia de em que condição. Se é que ainda está vivo, uma vozinha venenosa sussurrou na minha mente e senti vontade de vomitar.

Girei a maçaneta e empurrei a porta.

O quarto de Kaíque, que uma vez tinha sido limpo e impecavelmente arrumado, estava uma completa zona e fedia a comida estragada e produtos químicos. Meu ex estava semi-agachado diante de Dan.

Embora eu não tenha feito nenhum som, Kaíque girou para me encarar, se aprumando.

— Você chegou rápido, Soso — disse com um sorriso que um dia tinha sido bonito, mas a forma como seu rosto estava retorcido, desvairado, impossibilitava sequer pensar que ele um dia tinha sido belo. Kaíque parecia um animal.

Desci o olhar para Dan. O rosto estava inchado e ele tinha vários hematomas pela face. Sua boca estava fechada com uma meia enrolada, mas ele grunhiu contra o tecido o que parecia ser o meu nome e meu coração pesou uma tonelada dentro do peito.

Seus pulsos estavam presos por zip-ties de plástico e dessa vez eu vomitei mesmo. As lembranças daquele inferno de cabana voltaram com ainda mais força, me atingindo: meus braços presos para trás, o plástico cavando lentamente na pele enquanto eu lutava para me soltar. Não, ordenei ao meu cérebro, lutando contras as lembranças e as lágrimas. Agora não é hora...

— Argh — meu ex reclamou, encarando o chão e suspirou, brincando com a faca de cozinha manchada de sangue que tinha na mão, antes de caminhar lentamente para o outro sem nunca me dar as costas. — Tsc, tsc, Soso... Você já foi mais bem educada.

— Des... Desculpe — pedi sem saber muito bem para quem ou o porquê.

— Onde... onde estão os seus pais? — perguntei para tentar desviar a sua atenção desvairada de Dan. — Os empregados?

Kaíque revirou os olhos, pouco impressionado com a minha pergunta nada sutil, mantendo a ponta afiada próxima à garganta de Dan, muito perto da carótida.

Mentira Perfeita [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora