29- A loja das três luas

14.8K 1.9K 1.7K
                                    

A segunda-feira veio para me testar.

Assim que saí do prédio para a rua do bairro residencial, meu coração quase saiu voando pela boca: Dan estava parado daquele jeito que eu já conhecia, encostado na moto preta.

Gostaria de dizer que quando o vi não demonstrei nenhuma reação, mas a verdade é que o meu corpo todo se arrepiou sob aquele olhar quente e as narinas inflaram como se buscassem o seu cheiro gostoso. Meu coração infelizmente não parecia ter entendido o que aconteceu na sexta-feira e estava louco para se jogar nos seus braços, ignorando o que aconteceu na festa de Alicia.

Fechei os olhos, aquela imagem parecia gravada a ferro atrás das minhas pálpebras. Dan e a menina se agarrando no meio de todo mundo.

Abri os olhos e ele ainda estava lá, os olhos correndo sem pressa pelo meu corpo de uma maneira que eu tinha associado com desejo.

Dei as costas para Dan e comecei o meu caminho.

— Sofia! — chamou. — Ei!

Não me virei, continuei o mais rápido possível sem correr. O ronco do motor se fez ouvir e logo Dan estava ao meu lado, inclinando sobre o guidão da Harley estúpida.

— Ei! Deixa eu te dar uma carona — pediu em voz baixa abrindos os braços na minha direção. —  A gente precisa conversar.

Apertei o passo com os olhos cravados na esquina.

— Não. Eu não tenho nada pra conversar com você, Dan.

— Sofia — reclamou passando os dedos pelos cabelos escuros, obrigando a moto a me acompanhar devagar. — Nós dois vamos para o mesmo lugar. Não vou fazer nada contra você, eu juro, só quero conversar.

Não respondi.

— Qual é! — reclamou, exaltado para os seus padrões de quem não ligava para nada. —  Minha moto não é melhor que passar quase uma hora dentro da lata de sardinha?

Me virei para encarar seu rosto pálido feito osso.

— Me deixa em paz! — berrei e as pombas que andavam por ali alçaram voo. Lágrimas quentes rolaram pela a minha face. — Por que você está insistindo nessa merda de carona? Partir o meu coração de todas as formas imagináveis não foi bom o suficiente? Você precisa tripudiar?

Os lábios de Dan se entreabriram diante do choque com a minha explosão. Depois se fecharam em uma linha fina de raiva, um tipo que eu só tinha visto dirigida à ele mesmo: ódio puro e sem reservas.

— Eu não quero as suas caronas — rosnei. — Eu não quero ver você. Se eu pudesse preferia nunca ter te conhecido! Eu odeio você, Daniel Ricci.

Por um segundo todo o sangue pareceu desaparecer e seu rosto ficou ainda mais pálido que o normal.

Os lábios de Dan tremeram e ele forçou um sorriso tão quebrado que doeu no meu coração mas eu estava tão furiosa com ele, comigo mesma e com a situação que a dor foi suprimida pela raiva.

— Odeia nada — sussurrou e mesmo assim a sua voz tremeu.

Eu ri e o som saiu muito parecido com a sua risada. Ele tinha a audácia de parecer ferido? Ele?

Esfreguei as mãos nos olhos, secando as lágrimas e continuei o meu caminho. O som da Harley cortou o ar e ele disparou para o lado oposto de onde eu estava.

Respirei fundo várias vezes e continuei para o ponto de ônibus, ouvindo o som do meu coração se partindo mais uma vez.

Claro que os quarenta e cinco minutos dentro do ônibus foram tempo suficiente para organizar os meus sentimentos. Não olhei no rosto de ninguém quando passei pelo portão de ferro preto e pelo pátio para a minha sala, mas pude ouvir os cochichos me seguindo.

Mentira Perfeita [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora