Otto

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Uma coisa que eu odeio em dezembro é que demora muito para passar os dias do Natal para o Réveillon, parece que são infinitos. E eu prefiro o Réveillon. Pois não é com todos os meus familiares. É apenas eu, meu pai e minha mãe. Dessa vez vai passar só nós três, pois a Zara viajou com o namorado para Rio Grande do Sul, para passar a virada do ano com a família dele. Eu nem sabia que ele era brasileiro e que falava português Bom, pra mim foi uma surpresa descobrir que ele falava. No tempo que passou aqui em casa eu mal ouvi a voz dele, de tão irrelevante ele é.

Ficou até satisfeito que não terei que passar o Réveillon com nenhum parente e com ninguém que tire a minha paz de fim de ano. Para ser sincero, preferia passar com os meus amigos em algum lugar por ai, porém não há mais tempo de mudar os meus planos.
Acordo bem cedo e ainda bem que todos os meus parentes já haviam ido embora faz tempo. Alguns demoraram um pouco mais para ir  – como, por exemplo, Zara – porém, felizmente todos foram.
Vou à cozinha e a mesa estava pronta e a empregada estava lavando a louça.

– Bom dia! – ela diz.

– Prepara uma vitamina daquela fruta verde – parei para tentar lembrar – avocado – supus que fosse a mesma coisa aqui no Brasil.

– Ainda não aprendeu a pedir "por favor", Otto?

– Não preciso pedir, por favor. Esse é seu trabalho, sua obrigação. – ela estava me encarando – Já começou a fazer?

– É de abacate? – ela perguntou e eu assenti.

Graça. Por que eu sou tão estressado com ela? Por um motivo muito simples, ela foi o motivo dos meus pais me mandarem para o internato. Quando eu tinha onze anos, os meus pais falavam para todas as empregadas não arrumarem o meu quarto, pois pelo menos aquilo eu deveria saber fazer e que elas podiam me obrigar a isso. Uma vez o meu quarto estava uma zona e eu não queria arrumar. Graça entrou e queria me obrigar. Tirou o iPad da minha mão e me fez levantar. Logo após ela saiu do quarto, eu estava com tanto ódio dela que eu queria que ela fosse embora para sempre. Então, decidi fingir que ela me bateu. Bati com a cabeça na parede de propósito e cresceu um galo. Fiquei chorando o dia todo por causa da dor, e quando minha mãe chegou eu disse que a Graça havia me batido. Bom, todos acham que essa é a história verdadeira. Só que na verdade, quem me deu essa ideia foi a Zara e quem levou a culpa foi eu. Acontece... E esse nem foi o motivo deles terem me mandado para o Internato. Foi outra situação que ocorreu alguns meses depois.

O pior disso tudo nem foi eles me mandarem para a Europa e sim deles serem muito ocupados para ir me visitar. Eles não apareceram no meu aniversário de dezesseis, dezessete e nem de dezoito anos. Nós ficamos 3 anos sem se ver pessoalmente, apenas por vídeo chamada. Antigamente eu ligava muito para isso, hoje em dia eu não ligo para nada.
Fiz um pão com queijo e peito de peru; peguei o suco de maracujá, despejei no copo e comi ali. Não estava com tanta fome.

Quando a Graça termina de fazer a minha vitamina de abacate, pego, vou para a varanda e sento em uma cadeira. Começo a pensar no que eu poderia fazer hoje. Ficar em casa até meia noite não é uma opção. Na verdade, eu nem sei o que os meus pais vão fazer hoje. Teve uma vez que nós ficamos em casa e vimos os fogos da varanda e outra que fomos para a casa da minha avó em Colorado. Eu tinha 9 e 10 anos, já faz bastante tempo. Espero que eles estejam planejando algo que não me faça ficar com tédio o dia todo.

O dia estava muito quente e eu não consegui ficar na varanda por muito tempo. Na verdade eu havia esquecido o quanto o Rio de Janeiro é quente. Já estava acostumado com o frio.
Volto para a cozinha e deixo o copo na pia. Ainda não tinha resolvido o que farei, mas já iria me arrumar, pois assim que eu decidir já estarei pronto.

Depois de ter tomado banho, pego meu celular e vejo a hora. Eram dez e meia. Não faço a mínima ideia do que possa estar aberto agora. Mas eu acho que vou ir ao Shopping, não o do Leblon por ser perto demais. Qual é a graça de sair de casa, andar um pouquinho e voltar para casa de novo? Procurei no Google um restaurante Francês e encontrei um em Botafogo, próximo do Shopping Rio Sul. Eu iria comer lá e depois ir para o Shopping.
Vou para a sala e pego uma das chaves do meu pai. Espero não ter que ouvir merda quando voltar, pois quando eu fui embora a única coisa que eu sabia dirigir era carrinho de controle remoto e eles ainda devem pensar que eu sou aquela criança.

Desci, fui para a garagem e apertei o botão da chave automática, um Ranger Rover piscou, fui até ele. Sentei, coloquei o cinto e dei partida.
Logo eu estava acomodado no local e analisando o cardápio. Só havia comida que eu não estava com a mínima vontade de comer, até que eu li "Linguado Belle Meunière". Lembro que comi isso na França. O garçom chega, eu peço o linguado com um vinho. Passa um tempinho e meu pedido chega, começo a comer. Não chegava aos pés do que eu comi na França, contudo estava satisfatório. Meu celular começa a vibrar, era o Jonas, meu melhor amigo.

– E ai, cara! – digo assim que atendo a chamada de vídeo.

– E ai! O que você está fazendo? – perguntou deitando na cama e se cobrindo com duas cobertas – ai está de dia e sol? Porra! Aqui está frio pra caralho e está de noite! – terminou com uma insatisfação na voz.

– Aqui está muito calor. Eu não aguento mais – neguei.

– Você deveria agradecer, seu filho da puta! – riu – você vai ficar ai por quanto tempo?

– Não sei! – dei de ombros – pretendia voltar o mais rápido possível. Porém, minha irmã está...

– Espera, você tem uma irmã? – arregalou os olhos e gritou.

– Sim! – assenti – E por ela estar aqui, vou ficar mais um pouco.

– Porra! Você tem uma irmã?! – gritou – Ela é gostosa? Me manda foto depois.

– Ei! Vai se foder! – mandei dedo pra ele que riu – tenho que ir. Vou terminar essa comida aqui e sair desse restaurante.

– Ok! – assentiu – Não se esqueça de mandar a foto da sua irmã.

Desliguei a chamada.

Jonas é um cara maneiro e uma das primeiras pessoas que conversou comigo no internato, por dividir o quarto comigo. Por mais que sejamos melhores amigos há anos, nossa relação é muito complicada. Nós brigamos mais do que ficamos bem, e a cada briga nós nos superamos na arrogância. Eu sinceramente não sei dizer o porque de sermos amigos ainda. Na verdade, talvez eu saiba. Porque ele é um dos únicos que entende a minha arrogância e eu sou um dos únicos que deixa ele falar as merdas que quer sem puxar sua orelha, ou militar. No final, nós somos uma boa dupla.

Após terminar de comer, levanto e vou pagar. A mulher no caixa me agradece e diz para eu voltar sempre, acho que eu não voltaria de novo. Depois passando pela entrada o recepcionista que me recebeu disse o mesmo que ela.
Entrei no carro, coloquei a rota do Shopping no GPS e dei partida.

No meio do caminho eu lembrei que era véspera de Réveillon, ou seja, o shopping deve estar lotado pelas pessoas que sempre deixam tudo para fazer em cima da hora e elas acabam atrapalhando quem só queria passear. Comecei a sentir preguiça só de imaginar um tanto de gente juntas. Mas continuei seguindo. 

Não estava tão cheio como eu imaginei. A maioria das pessoas estavam em lojas que eu nem sonho em entrar, enquanto outras estavam lanchando.
Passo pela frente da Adidas e resolvo entrar. Eu sei que eu tenho bastante roupa e ainda ganhei mais no Natal. Porém, estava a fim de comprar um tênis novo para passar o Réveillon. Entro e uma atendente já vem encher o meu saco.

– Bom Dia! – exclamou sorridente – Já sabe a escolha de hoje?

– Sim. Gostaria que você me deixasse em paz!

– Tá bom. Meu nome é Michele. Precisando de alguma coisa me chama – disse com um sorriso meio besta no rosto e com as mãos para trás.

Ela se afastou e eu comecei a dar uma olhada. Estava gostando de mais coisas do que deveria gostar. Infelizmente vou precisar de uma ajuda. Olho para o lado e aquela garota estava me encarando. Bem que eu senti que alguém estava me perseguindo com o olhar. Faço sinal com a cabeça para ela vir e ela me obedece.

– Pois não?!

– Eu preciso de ajuda. Vou pegando as roupas e você vai levando para o caixa.

– Claro! Esse é meu trabalho – ela força um sorriso e eu reviro os olhos já me arrependendo de tê-la chamado.

Enquanto eu pegava as blusas e calças, ela ia ao estoque pegar os tênis que eu pedi. Termino de fazer tudo e vou para o caixa que estava lotado de roupa em cima. Eu não fazia ideia de que eu havia pedido aquilo tudo. Eu pago e ela me acompanha com as sacolas até a saída da Loja.

– Obrigada e Feliz ano novo! - ela diz toda sorridente me entregando as sacolas.
Eu as pego, viro de costas e começo a andar.

– De nada! - ela fala um pouco alto.

Não há mais condições de dar caminhar pelo Shopping com a quantidade de sacolas que eu estou carregando. A única alternativa é voltar para casa.

– Onde o senhor estava? - minha mãe pergunta assim que o elevador abre.

– Fui andar por ai.

– Estou vendo! - ela bate no sofá para eu sentar - temos que te contar uma coisa.

– Você e mais quem? – pergunto olhando para os lados – O que você está tomando nesses seus chás matinais? Balinha?

– Engraçadinho! – riu sem graça - senta logo.

Eu sentei e coloquei as sacolas no chão. Ela vira de lado e perde os modos. Do jeito em que estava sorrindo, notícias boas estavam a caminho.

– Adivinha onde iremos passar o Réveillon.

– Não estou afim, conta logo.

– Copacabana! – ela da um gritinho.

– Jura? – balanço a cabeça – Em um apartamento ou você vai se rebaixar ao nível das pessoas que ficam na areia grudadas umas com as outras? – falei do jeito que minha tia fala com ela.

– Me respeita!– - ela fala sério – Nunca que eu fico naquele mar de fedor.

– Aonde então?

– Em um iate! – ela bate palmas.

Já passei o Réveillon em muitos lugares, mas nunca passei em um iate. Pelo menos vai ser uma experiência nova. Eu até que estava ficando animado. Eu, minha mãe e meu pai, sem mais ninguém no meio do mar, sem parentes chatos e...

– Adivinha quem vai conosco.

– O quê?

– Adivinha...

– Essa parte eu entendi. Eu só não acredito que um motherfuck , que eu nem conheço pode estragar minha noite.

– Otto! – arregala os olhos – olha a boca suja! – me repreende.

– Ah, mãe. Cresce! – revirei os olhos – fala logo quem é, já que está toda animada.

– Então... Eu não podia deixar eles sozinhos em casa...

– Mãe! – a interrompi - "Eles" está no plural, ou seja, mais de uma pessoa. Se "eles" passarem juntos, não vão ficar sozinhos.

– Tá, mas...

– Fala logo quem é inferno! – eu a interrompo sem paciência nenhuma.

– Você não me deixa terminar nada! – ela me da bronca – que saco! – aumenta seu tom de voz – Eu sou a sua mãe, ok? Então, me dê o devido respeito.

– Whatever! – ela respirou fundo.

– São os vizinhos aqui de baixo – finalmente revelou. 

– Por quê?

– Já expliquei.

– Fuck! – neguei com a cabeça e levantei do sofá – Faz o que você achar melhor.

Subo para o meu quarto e tranco a porta assim que entro. Não estou acreditando que ela convidou os vizinhos, pessoas que eu nem conheço, para estragar a minha virada do ano. Eles não podem estragar o meu dia preferido do ano.

Esses últimos dias eu escutei barulho vindo lá debaixo. Parecia uma garota gritando com um garoto e um bebê berrava entre eles. O menino estava dizendo que odiava ela, que queria que ela nunca tivesse nascido e muito mais. Como esse merda chegou aqui em cima? Só de parar para pensar que vou ter que passar com essas duas crianças já me deixa estressado. Seria melhor passar com o Félix e Selena. Eu odeio crianças com todas as minhas forças.
Mais de tarde não havia nada para fazer, então eu aproveitei um tempinho na piscina. Minha mãe ficou sentada na varanda perto de mim resolvendo os problemas que surgiram de ultima hora com o buffet, ela parecia estar bem estressada. O meu pai como sempre não estava em casa, o que é estressante e bom ao mesmo tempo, pois ele não me faz perguntas sobre a faculdade. Não troco mensagem com a Zara desde o dia em que ela foi embora, pois não somos muito de conversar por mensagem. E, esquece...

Após sair da piscina eu voltei para o meu quarto. Estava inexpressivo de sono. Liguei o ar condicionado e deitei para cochilar. Não seria por muito tempo, pois minha mãe disse que iriamos para o iate às oito. Fechei os olhos e em algum momento eu dormi.

Acordei com o celular despertando. Nem parecia que eu havia dormido e ainda por cima acordei mais sonolento. Juntei forças e consegui levantar. Tomei banho e fui decidir qual roupa eu usaria. Peguei uma calça preta que a minha mãe me deu (pra ela não ficar falando que eu não gostei), um tênis que comprei hoje e uma blusa branca simples. Quando já estava saindo do quarto, lembrei-me de escovar os dentes, passar perfume, colocar algum relógio e alguns anéis. Após, desci.
Minha mãe já estava na sala esperando meu pai que provavelmente já deveria ter chego.

– Essa blusa simples? – minha mãe pergunta levantando do sofá.

– Qual o problema?

– Nenhum. – negou mentindo – Você está gato, como sempre!
Ela me da um abraço e eu a afasto.

– Prontos? – meu pai chega.

– Sim, senhor! – digo

– Então vamos.

Minha mãe aperta o botão do elevador. Quando ele chega nós entramos e para a minha sorte passamos direto pelo penúltimo andar. Comecei a achar que os vizinhos não iriam mais, porém, só posso comemorar quando estiver no iate. Saímos do prédio e esperamos o manobrista trazer o carro. Se eu soubesse que aqui era assim, eu não teria ido à garagem mais cedo. Entramos no carro e meu pai foi dirigindo.

Quando chegamos, minha mãe disse que tínhamos que esperar os vizinhos e eu fiquei puto. Por que esperar por eles? Eles deveriam ter vindo conosco.
Nesse meio tempo, pedi minha mãe para tirar uma foto minha.

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