Lis

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Dia de operação sempre é um caos. Assim que desci o morro pra ir trabalhar, já bati de frente com centenas de policiais. Já estava atrasada, e eles ainda me pararam pra me revistar. Sempre fico nervosa em deixar os meninos sozinhos nesses dias, mas não tenho muito o que fazer. Não posso faltar o trabalho e meus pais as mesmas coisas. Pelo menos já damos a orientação do que eles podem fazer em todas as situações e esperamos eles nos dar notícias.
Trabalhei o dia todo, como de costume. Quando estava me arrumando pra ir pra casa, peguei meu celular e vi que tinha mensagens dos meus pais falando pra eu ir pra casa de alguém da família. Iria pra casa do Felipe na tijuca. Peguei ônibus até o metrô, quando desci na estação pedi um uber.
Mora minha tia, o Fê e a Rayane, minha prima que tem minha idade. Mandei mensagem pra ela, tinha visto o status do Felipe e vi que ele estava numa festa. O porteiro liberou minha entrada, já me conhece de tanto que já dormi aqui.
-Oi piranha- me abraçou
-Vim te fazer companhia- entramos, minha tia estava sentada no sofá vendo TV- Oi tia- cumprimentei ela
-Oi meu amor, tá com fome?- assenti
Rayane me deu um pijama e eu fui tomar banho. Minha tia pediu pizza, comemos e ficamos fofocando vendo TV. Peguei meu celular e vi que tinha mensagem do Murilo.
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Murilo❤️: Loira??
Eu: Oi meu bem
Murilo❤️: Veio pra casa?
Eu: Não, to na minha tia
Murilo❤️: Bom, boa noite
Eu: Boa noite e se cuida, bjs
Murilo❤️: Tu também, bj
💬
Minha tia foi dormir, Ray ficou procurando um filme pra gente assistir enquanto eu fui fazer brigadeiro. Ela escolheu "O Date perfeito", pegamos coca e o brigadeiro e sentamos pra ver o filme. O filme estava acabando e escutamos o barulho de alguém tentando abrir a porta, Felipe.
-Tá fazendo o que aqui?- falou depois de fechar a porta, deu um beijo na minha cabeça e deu um tapa na Ray e sentou entre a gente
-Vim dormir contigo- sorriu tirando o tênis
-Ah não Felipe, tu tem chulé cara- Ray falou tampando o nariz
-To cansadão, sai do trabalho e me arrastaram pra uma festa- colocou os pés em cima da mesa de centro- Tá ruim lá?
-Pra caralho- pegou o celular e ficou mexendo
Voltamos a assistir o filme, Felipe levantou um tempo depois e foi pro banheiro. O filme terminou, levei as coisas pra cozinha e lavei, peguei minha escova de dente e fui no banheiro. Namorado da Ray passou pra buscar ela. Parei na porta do quarto do Felipe que estava mexendo no celular, fiz psiu e ele olhou e me chamou, fui e deitei do lado dele.
-Você deixa a Ray sair essa hora?- bloqueou o celular e me olhou
-Estou acostumado já, não tenho mais moral nessa casa- ri baixo- Mas qual vai ser?
-Não vai ser nada, vou dormir no quarto dela- apertou meu rosto e deu um selinho
-Fica aí, não vou fazer nada que tu não queira
-Já ouvi essa frases algumas vezes, de tu então- suspirou- Mas eu vou dormir aqui, não gosto de dormir sozinha
-Por que? Medo de escuro?- assenti, não queria falar sobre, deu um beijo demorado na minha testa
Tem muitas coisas da minha infância que eu criei bloqueio pra eu viver minha vida normal, não fico pensando muito, mas tem vezes que não tem como.
Estou dormindo no meu quarto sozinha, bem pequeno e com poucos brinquedos, moro com meus pais e três irmãs, todas elas dormem juntas menos eu. Quando sinto um peso em cima de mim acordo, vejo meu pai tirando meu short, arregalei meus olhos de susto, ele dá um beijo demorado na minha testa e sussurra "não vou te machucar, fica quietinha". Ele disse que não iria me machucar, mas era uma dor insuportável, quando eu ia gritar ele colocou a mão na minha boca
Acordei gritando e chorando desesperadamente, Felipe deu um pulo do meu lado assustado e me abraçou.
-O que foi?- escuto a voz da minha tia aparentemente nervosa
-Acho que foi pesadelo- falou
-Vou pegar um copo de água pra ela
Ela trouxe e eu bebi tudo. Tranquilizei eles, falando que só tinha sido um sonho ruim e minha tia foi pro quarto dela, Felipe ficou fazendo cafuné no meu cabelo, olhei a hora e já era cinco da manhã. Já revivi esse dia várias vezes em meus sonhos. Na primeira casa que eu morei que aconteceu isso, e não foi só uma vez que aconteceu. A empregada me dava banho as vezes, ela perguntava por que eu estava roxa, vermelha. Eu falava que tinha caído ou batido em algum lugar, ela acreditava ou só falava que acreditava.
Mas teve uma vez que eu estava muito roxa, ela ligou pro conselho tutelar, eles foram na mesma hora e chamaram a polícia. Não lembro muita coisa, mas basicamente foi isso, me levaram pra um lugar depois dali onde tinha uma mulher muito simpática que me fazia perguntas sobre desenhos e brinquedos e me examinava.
Não consegui mais dormir como de costume, Felipe estava dormindo, levantei e fui pra sala e fiquei vendo TV pra distrair.
Como eu consigo viver com isso tudo? Também não sei dizer, mas eu sei que eu tento sempre me distrair ao máximo, tento só focar em coisas boas e trazer uma paz pra minha mente. Queria muito tirar isso tudo da minha mente e não ter vivido tanta coisa ruim.
Ninguém sabe disso a não ser as pessoas envolvidas, não pretendo contar pra ninguém e seguir minha vida normalmente. Acabei dormindo no sofá e acordei com o Felipe me colocando na cama dele, ele deu um beijo na minha cabeça e saiu.
Acordei de novo com o celular despertando dessa vez, levantei e fui tomar banho. Peguei uma roupa da Ray, estava chovendo a beça. Almocei com minha tia, peguei um casaco do Felipe que é grande e minha mochila e fui pro trabalho.

Cheguei em casa e fui direto tomar banho, ainda estava chovendo. Não tinha mais polícia e estava bem mais tranquilo o clima na favela, meus pais e Vini foram pra casa da minha avó e eu fiquei com o Gael. Me arrumei e chamei ele pra comer na rua. Paramos numa lanchonete, pedi um cheeseburger, e ele um x-tudo, comprei batata maluca e coca.
-Lis, o pai e a mãe estão preocupados com você, sabia?- perguntou me encarando
-Por quê?- franzi uma sobrancelha
-Escutei uma conversa deles hoje de manhã, a tia Le falou alguma coisa pra eles que deixou eles assim
-Ah tá, não é nada não- ficou com uma cara de preocupado- Está tudo bem Gael, só tive um sonho ruim e acordei chorando- ele colocou a mão dele em cima da minha e apertou, puxei e dei um beijo
Ele não parece ligar muito, mas é o mais preocupado que tem, e também não gosta de demostrar muita amor e carinho, mas tem hora que ele é um amor em pessoa. Nossos lanches chegaram e comemos. Vi o Murilo passando de moto, mas ele nem deve ter nos visto. Paguei e fomos andando pra casa, compramos açaí no meio do caminho.
-Qual foi loira- Muri falou entrando no beco assim que estava abrindo a porta, abri e o Gael entrou
-Oi meu bem- abracei ele- Tudo bom?
-Suave, e ai? Qual a boa?- encostei na parede
-Dormir, amanhã tenho que trabalhar- negou
-Tu tá me devendo nada não?- fiquei pensando e ele começou a rir, ele me chamou pra sair um dia, porém meus pais saíram e não tinha ninguém pra ficar com os meninos- Vai se fazer?
-To devendo meu bem, mas o Gael não pode ficar sozinho- cruzou os braços- Amanhã pode ser?- abracei o pescoço dele e dei um selinho- Em Muri?
-Tranquilo Lis- fechou a cara
-Ah meu Deus, sem gracinha- ele colocou as mãos na minha cintura e me puxou mais pra ele- Acho bom- lambeu meu rosto- Ai que nojo, porco- ele ria enquanto eu tentava me afastar, mas ele me agarrou de uma forma que eu não consegui
-Me dá um beijo- pediu, neguei
-Tá merecendo?- assentiu- Tá?- coloquei a mão no cabelo dele, dei um selinho e começamos a nos beijar

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