Otto

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– Como você está? – Zara entra no meu quarto me perguntando e senta ao meu lado na cama.

Agora que tudo foi exposto, todos que me conhecem e sabem sobre me perguntam a mesma coisa e eu respondo jogando o ombro. Eu deveria sentir alguma coisa? Ter mais alguma reação? Eu fui traído a minha vida toda. Primeiro pela Zara; depois pelos meus pais; pelo meu avô e a lista segue. Acho que nenhum deles se importam ou se importaram com as consequências, mas agora eles me chamam de chato; frio; ignorante; insuportável... o que todo mundo esperava? Que depois de tudo eu iria voltar com um sorriso no rosto? Eles queriam que eu esquecesse tudo em prol da imagem da família ou do bom convívio? Eu quero mais que todo mundo dessa família se foda.

Zara continua me encarando e até então eu não respondi sua pergunta, então jogo os ombros para cima.

– Não me venha com essa jogada de ombros! – diz em um tom meio rude – Eu poderia estar fazendo mil e uma piadas sobre você ser adotado e eu estou aqui, tentando conversar com você para ver se você se abre com alguém.

– Por que você se importa tanto? – a fitei e nós ficamos em silêncio – A é, você não se importa. Então não fique andando por ai fingindo. – ela revirou os olhos.

Ficamos em silêncio por alguns minutos e quando não estávamos nos encarando, olhávamos ao redor do quarto só para não ter que manter o contato visual.

Assim que nos encaramos novamente, ela bate duas vezes em sua perna, querendo que eu deite e coloque a minha cabeça ali.

– Fuck off! – digo.

– Meu Deus, Otto! – grita – Você não pode ser uma pessoa descente pelo menos uma vez na vida?! – negou com cabeça – Finge ser alguém legal, pelos menos hoje.

Relutei, mas acabei deitando.

Eu e Zara nunca tivemos esse tipo de relacionamento de irmãos. Nós sempre fomos o oposto de normal. Discutíamos por causa de escolha de quarto; discutíamos para ver quem tinha os olhos mais claros, fossem eles azuis ou verdes já que eles ficam alternando; se eu ganhava um iPad ela tinha que ganhar também, se não haveria guerra; e por aí vai. Nós sempre competimos por tudo, sempre foi assim e sempre vai ser.

– O que se passa na sua cabeça agora? – ela pergunta enquanto faz cafuné.

Ficamos em silêncio, pois eu estou com mil ideais na cabeça e ao mesmo tempo não consigo pensar em nada. É como se um caminhão cheio de depressão, falta de vontade e cansaço tivesse sido descarregado em cima de mim. Talvez eu deva fazer o que eu sempre faço de melhor...

– Eu não sei! – respondo pela primeira vez em minha vida com um tom de desabafo – Talvez eu deva viajar. Fugir de tudo isso. Meu tempo aqui já acabou – respiro fundo.

– Viajar seria ótimo! – sorri sem mostrar os dentes – Eu posso ir com você. Argentina dois ponto zero, like this right? – negou – Tipo isso, certo?

– No, thanks! – sorri de lado, pois ela fez cara de brava – Não, obrigado. Eu vou ter que passar.

– Ok! – assentiu – Faz o que você achar melhor. – mais um longo silêncio – Qualquer coisa eu estou aqui por você, you know! – eu assenti.

Por mais que eu ache que eu precise de um tempo para mim, eu também quero voltar com a minha antiga rotina, quando não havia essa merda toda incluindo os meus parentes; eu só quero sentar e beber com os meus amigos. Por mais que a maioria deles estejam ocupados com alguma merda qualquer, eu consegui entrar em consenso com o Jonas e agora estou desembarcando no aeroporto de Roma.

Pego a minha mala e sigo andando em direção à saída. Mando mensagem para o Jonas, perguntando se ele já chegou e onde ele prefere que eu o espere. O desgraçado me manda foto de uma cerveja em um bar; é óbvio que ele chegou e não me avisou. Digo que vou para o hotel primeiro e ele responde que vai me encontrar lá.

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