SEA CLEAN [+18]

prólogo

Sea Clean

Esse é o império que meus filhos irão herdar, minha empresa de fornecimento de serviços de limpeza, que tem agências em mais de trinta países, com sede principais em cinco cidades distribuídas por todos continentes. O império que levei uma vida para construir, aceitei trabalhos humilhantes, perdi noites trabalhando e sacrifiquei inúmeros sonhos, inclusive o de ser mãe, maior de todos que já tive. Tudo para que, quando chegasse a hora de realizar o mesmo, meus filhos não tivessem de passar necessidades como aconteceu comigo e meus irmãos.

Tive uma vida boa, ao menos a infância foi, não tenho de quê reclamar da fase maravilhosa em que tinha uma mãe presente, pai, uma doméstica e só me preocupava em ser boa menina para ganhar novos brinquedinhos. No entanto, a fase da adolescência foi um caos, mais pela desestabilidade emocional da minha mãe e pelo desaparecimento físico do meu pai.

Meu pai, Enzi Baakir, era um imigrante em busca de melhores condições de vida. Tinha saído de Tanzânia até Europa, concretamente para Inglaterra, com o humilde sonho de conseguir um bom emprego, trabalhar dois anos e juntar dinheiro suficiente para abrir um negócio estável na sua terra. E ele teria conseguido isso se não fosse a sua situação ilegal.

Era um homem sem medo de trabalhos, e quando percebeu a sua desvantagem em relação aos outros foi abraçando qualquer coisa, mas infelizmente o dinheiro que juntara em vinte e quatro meses não fora suficiente para ele voltar para Tanzânia. Enzi, meu pai, estendeu sua estadia achando que conseguiria dinheiro "suficiente", mas a verdade é que quando colocamos essa palavra na cabeça, nada nunca é suficiente e nenhum valor era, até que ele esqueceu da sua vontade de voltar.

Foi nesse esquecimento que ele conheceu Nora, minha mãe.

Nora era mestiça, filha de pai branco e mãe preta, congolesa, uma bastarda não assumida e que adorava a soberba. Vivia de aparências, era o tipo de mulher que só sugava. Conto isto porque meu pai era o único que trabalhava, e talvez fosse por isso que ela ficava com ele e lhe dava todos os filhos que ele lhe pedia. Meu pai era o cabeça, daqueles que trabalharia até de lambedor de sola de rico para que minha mãe pudesse ter tudo o que desejava. Prova disso era a nossa vida.

Éramos os únicos pobres, falo assim porque vivíamos num subúrbio de Londres, que tinham uma doméstica que igualmente fazia o papel de babá. Minha mãe não fazia trabalhos domésticos, mas os maternais e de esposa ela fazia com excelência. Por isso meu pai nunca se zangava com ela, na verdade nunca zangava com ninguém e para mim ela era apaixonada por ele— já que ninguém aguenta um casamento por interesse tanto tempo — e, também porque quando meu pai faleceu ela perdeu o norte.

Por meu pai ser um faz tudo, no ano em que eu faria dez anos ele conseguiu um trabalho numa construtora, devo dizer que alegria de pobre dura pouco né? Pois bem, estávamos no auge da nossa vida com apenas três meses de trabalho do meu pai naquele lugar, ele conseguiu pagar por completo nossa casa, minha mãe começou a viver uma luxúria nunca antes vista e ficou grávida nesse ano também. Mas para todo nosso azar, Enzi teve um acidente de trabalho, caiu do décimo andar de um prédio em construção e não resistiu, morreu no local.

Lembro de tudo o que aconteceu naquele fatídico ano, pois foi o pior da minha vida. No enterro de meu pai estavam muito amigos prestando condolências, mas quando tudo terminou, ficamos só. Mas isso não foi o pior. Nos meses seguintes nós recebemos uma indenização, minha mãe ficou extasiada posso assim dizer, eu nunca soube o valor exato do cheque, mas soube que em questão de semanas ficamos falidos. Exageradamente falidos. E, com isso, ela teve que despedir a doméstica, depois a babá que contratou para cuidar do meu irmão mais novo, começou a vender seus pertences de marcas para que pudéssemos comer e quando não restava mais nada, aí foi que dilema começou.