Capítulo 7

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Felicidade, não é algo que você senta e espera.
Selena Gomez — Dance Again

•••DENVER•••

— Você disse que estava tudo enterrado. — Minha mãe diz, quase que num tom de acusação.

Eu me viro para encará-la do divã onde estou deitado e finco os olhos não entendendo de onde estava vindo aquilo. Eu tinha enterrado, mas não tinha esquecido. Não tinha memória curta, era uma fase da minha vida que de certa forma me tinha marcado e muito. Não era esquecível, era convivível. E era assim que eu estava fazendo as coisas. Tinha escolhido viver com aquilo sem me culpar, sem me torturar e sem me impor datas para apagar da minha mente porque simplesmente não tinha como.

E pela primeira vez desde que eu percebera que era mais fácil conviver com meus fantasmas que tentar doma‐los, as coisas estavam melhores. Eu estava melhor. Ela mais do que ninguém sabia já que era minha psicóloga há anos.

— Acha que estou deitando todos estes anos de terapia fora?

— Não, mas... — ela para. Puxa o copo com água e tremendo leva a boca. — Denver, eu confio em você como psicóloga pois fizemos tudo o que podíamos em terapia e conquistamos muito, mas como mãe, não pode me culpar, eu quase te perdi.

— Não tem como separar mesmo depois destes anos? — Ela sacode a cabeça.

— Não tem, você sabe, você sempre soube quando escolheu se consultar comigo.

Levanto e vou até ela, me inclino e dou-lhe um abraço beijando o topo da sua cabeça. Sussurro um "obrigado" em seu ouvido e depois faço com que me encare. Nossos olhos se cruzam e ela consegue ver para além da minha feição, eu sei que consegue. E eu consigo ver na feição dela. Quem está ali não é mais a psicóloga que me ouviu contar sobre a história do reencontro com Ayumi, quem está aqui é minha mãe. A mulher que passou dias chorando em meu leito no hospital enquanto eu estava num coma induzido, a mulher que não saiu do meu lado durante a minha recuperação do incidente e a que permaneceu ao meu lado em todas as minhas fases seguintes.

E eu sei que ela nunca conseguiu separar. E eu nunca quis que conseguisse, é egoísta, mas é minha forma de deixar explícito sempre que eu precisar de ajuda. Ela saberia melhor quando intervir como mãe ou quando como psicóloga.

— Amo-te! — Colo nossas testas.

— E eu a ti Denver, — ela diz abrindo um sorriso e limpa as escassas lágrimas controladas nos cantos de olhos. — É tudo por hoje.

Aceno e me retiro do seu consultório. Caminho alguns metros para dentro da casa e encontro meu primo. Estou na casa dos meus pais. Não é algo habitual vê-los todos os finais de semana, mas desde que fui promovido por minhas sobrinhas como melhor tio do ano, passou a ser obrigatório vir aqui. Esse é meu terceiro final de semana consecutivo visitando-as. Aparentemente elas adoraram o final de semana que passaram comigo na minha casa, quando meu primo foi a um seminário do trabalho, e pretendem repetir em todos os outros.

Também não é para menos, as deixei fazer o que queriam e realizei todas as vontades delas, principalmente as de Phoebe, a mais nova, que com um olhar conseguiu tudo, pipocas doces, comer muitos doces, pintar minhas unhas e tirar muitas fotos com meu telefone. Samantha, a mais velha, exigiu menos e alinhou em tudo o que a irmã queria. Acabamos por ter um final de semana divertido, e eu que estava com muito medo, — pois apesar de gostar de crianças, nunca tinha sido babá —fui mais feliz ainda. Ganhei meu título. É uma grande conquista, pois finalmente posso mudar a concepção que meus familiares têm de que sou péssimo com crianças e me gabar um pouco.

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