Dois

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Revisão: @pedro_henriquesr_

CLARA

Dois meses. Faz exatamente dois meses, pelo menos que eu me lembre, que a minha vida mudou da água para o vinho e eu nem sequer tive a chance de tentar negociar. Dois meses sem poder correr, pular, dançar ou simplesmente fazer coisas sem precisar da ajuda de alguém. 

Ainda não sei como me sinto ao certo. Todos me dizem que isso é normal e que talvez leve um tempo para que eu possa realmente saber lidar com tudo, mas eu simplesmente não conseguia me livrar dessa sensação de ter caído sem paraquedas num mundo totalmente desconhecido.

Muito antes de acordar, o médico alertou meus pais de que se, caso isso acontecesse – porque, de fato, eu quase fui dessa pra melhor – Ficaria paraplégica. Mas, talvez para diminuir a dor, disse que com o tempo, a fisioterapia e o acompanhamento certo, os movimentos e a a sensibilidade poderiam ir retornando aos poucos. E é por isso que não retornamos a San Miguel desde que tive alta, minha vida seria em Sant'Mary agora; em uma casa que não possuía nenhum tipo de obstáculo, onde, para subir para o meu quarto era só pegar o elevador que, meu pai como engenheiro incrível que era, planejou nos mínimos detalhes para ficar o mais confortável possível para mim. Eu o amava ainda mais por isso.

Lucas foi a única parte da minha vida que não mudou, quer dizer, tudo bem que ele ficou mais obcecado por me proteger de Deus e do mundo, mas bem... É o Lucas. Tudo normal por aqui.

Olho mais uma vez para o presente que ganhei da tia Liz quando ela foi me visitar pela primeira vez desde que sair do coma. Era um diário preto com as minhas iniciais gravadas com tinta cintilante nele; que estava em cima do criado-mudo próximo à minha cama. Liz disse que era para escrever sobre tudo o que se  passasse pela minha vida e mente dali em diante. Eu não o toquei desde então. Não conseguia falar abertamente sobre o que aconteceu – embora na maior parte do tempo conseguisse fingir estar tudo bem – E para mim, escrever era uma forma de falar com as vozes existentes dentro da nossa própria cabeça, isso estava fora de cogitação no momento.

– Já chega! – Lucas entrou feito um furacão dentro do meu quarto interrompendo meus pensamentos – Eu vou ficar louco se tiver que ficar mais um segundo dentro dessa casa.

– Sai pra rua, ué. – Falei, mas já sabia o que viria.

– Esse é o problema – Se jogou na minha cama e ficou me encarando com as mãos no queixo e um olhar pidão – Eu só vou se você for.

Já tinha me esquecido de quanto tempo fazia que eu não saía de casa para ir a algum lugar que não fosse a fisioterapia. Pra que sair se as pessoas ficariam me encarando como se eu tivesse duas cabeças, quatro braços e cinco pernas? Não, obrigada. Estava tudo maravilhoso no meu canto.

– Luc...

– Não, morango – Cortou-me antes que eu pudesse argumentar – Não faça isso consigo mesma – Pediu – Por favor.

– Fazer o quê? – Perguntei confusa.

– Se colocar na posição de uma granada preste a explodir – Jogou.

– Você deu para falar esse tipo de coisa agora? – Rebati tentando mudar o rumo da conversa.

– Não tente mudar o foco, mocinha – Avisou – Eu te conheço bem demais para deixar você fugir no meio do caminho – Isso era verdade.

– Você costumava fazer isso não é? – Perguntei enquanto o via colocar a cabeça no meu colo – Se colocar na posição de autodestruição, quero dizer.

À Procura De Alguém Como VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora