Notas sobre eleEstávamos exaustos, mas era aquele cansaço bom, que vem depois de algo grande.
Seis casas. Quatro famílias. Um monte de gente do bem. E nós, ali no meio, meio suados, meio felizes, inteiros.
Desde que entendi que servir é um privilégio, tudo mudou. Servir me deu propósito. Me deu direção.E mais do que isso… me deu pessoas.
Pessoas que escolheram amar com atitude. Que arregaçaram as mangas, riram na lama, dividiram pão e silêncio.
Isso fez tudo valer.— Pra quem esse suco? — Paulo se jogou do meu lado na grama, o corpo pesado e a voz ainda mais.
— Helena — respondi, meio sem jeito, como quem segura um copo com mais medo do que sede.
— Onde ela tá? — ele olhou em volta e, de repente, ficou tenso. — Ah, não... esse idiota tá aqui?Ele já tava quase levantando, quando puxei seu braço.
— Deixa, Paulo. Ela sabe se cuidar.
— Não quero confusão, só quero entender o que ele tá fazendo aqui.
— É a casa da namorada dele, né? Meio óbvio.
— Esse idiota tem alguém? Em tão pouco tempo?
— Eles já estavam juntos antes da tua irmã, Paulo. A Ana me contou.Ele ficou em silêncio, mastigando a informação.
— Pelo menos agora a gente sabe quem furou o pneu do carro…
— Como assim?
— Droga... prometi pra Helena que não contava.
— Então foi ela? Eu achava que tinha sido a Rain!Laura se sentou com a gente, trazendo a leveza de sempre.
— Pequeno, se o Rafael não te contou os motivos dele, tudo bem. O importante é que ele tem ajudado. E muito.A conversa continuava, mas eu não ouvia mais.
Porque meus olhos... estavam nela.
Helena.
E então aconteceu.Rain a segurou pelo braço. Ela reagiu, firme. Mas aquele momento… aquela faísca entre eles… me queimou.
E doeu.
Doeu de um jeito estranho. Um jeito novo. Um jeito que não fazia sentido.— Ela ainda gosta dele. — soltei, sem conseguir evitar.
— Acho que sim. — Laura disse, triste.Paulo me olhou confuso.
— O que vocês tão vendo que eu não vejo?— Ai, amor... você é tão inteligente pra umas coisas e tão perdido pra outras. — Laura riu, fazendo carinho no rosto dele.
— Então explica, minha sardenta.— O Rafael... ele gosta da Helena. — disse ela, como quem fala uma verdade já sabida.
Eu congelei.
Não. Ela tava errada.
Certo?
Só que... eu fiquei mudo.
Completamente mudo.Um calor subiu no meu rosto. Meu coração bateu mais forte, mais rápido, mais pesado.
Era verdade?Como eu não tinha visto isso antes?
Quando começou?
Na hora que ela dividiu a água gelada comigo depois da pintura da primeira casa?
Na hora que ela defendeu aquela criança do vizinho grosseiro?
Na hora que ela chorou baixinho durante a oração e tentou disfarçar?Estava ali esse tempo todo.
Crescendo, devagar, como planta esquecida na sombra...
E agora florescia com força, sem pedir permissão.Laura me chamou, mas minha mente estava a mil.
— Rafael? Rafael?!
— O-que foi?Paulo riu e me deu dois tapas nas costas.
— Relaxa, seu segredo tá seguro.
— Amor, acho que era segredo até pra ele mesmo — Laura cochichou.— Não vou te matar, prefiro você ao Rain.
— Pequeno, assim você não ajuda! — Laura empurrou ele, mas sorriu.Eu ouvia tudo, mas parecia que tava longe. Dentro de mim, era só confusão e descoberta.
— Vou te dar um conselho útil, de verdade — disse Paulo, agora mais sério. — Ora. Mas ora de verdade. Só assim você vai saber se isso é de Deus ou só do momento.
— Mas eu oro — disse, automático.
— Não, burro. É pra orar por ela. Pela Helena. — e me deu um tapa na testa.Ele continuou, contando como foi com Laura. Como observou, conversou com líderes, com o pai, como cuidou do coração dela antes de deixar o dele pular. Eu ouvi. Anotei. Tentei entender.
Era bonito. Sério. Responsável.
Mas… era muito.Muito pra mim. Muito agora.
— Às vezes o conselho certo no tempo errado só atrapalha mais — murmurei, cansado.
E mesmo assim, dentro do meu peito, tinha algo novo.
Algo que eu não sabia nomear ainda, mas sabia que era real.
E pela primeira vez, tive medo… e esperança.Ao mesmo tempo.

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CORAÇÃO OBSTINADO
Roman d'amour" Não importa o que e o objeto de obstinação de alguém, o problema está no coração "- Ideraldo Assis