Compaixão (Kara Leigh Conhece Octavia)

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Um pouco antes de amanhecer, Kara Leigh acordou e viu que havia passado a noite abraçada a Murphy

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Um pouco antes de amanhecer, Kara Leigh acordou e viu que havia passado a noite abraçada a Murphy. Ela corou intensamente quando sentiu que ele segurava a sua mão, por dentro da jaula. Levemente, ela largou a mão dele e deslizou devagar o braço para fora da jaula, embora não quisesse fazer isso. Após o momento que tiveram noite passada, ela não queria deixá-lo sozinho, porém, era preciso. Se alguém a notasse ali àquela hora da manhã, isso resultaria em problemas. Para sua sorte, o guarda estava tirando um pequeno cochilo. Então, ela aproveitou para sair de fininho e ir procurar Lincoln. Ela não o via desde quando ele a ajudou com os remédios, e estava preocupada com ele.

Kara Leigh não gostava de andar na floresta sozinha. Em qualquer lugar, poderia ter algum perigo espreitando, como predadores ou o povo do céu. Com tudo o que estava acontecendo, ela adquiriu um certo medo do povo do céu. Aquela guerra toda entre os dois povos havia deixado ambos os lados furiosos, e ela tinha muito medo de ser capturada pelo povo do céu. Obviamente, Murphy lhe veio na mente. Era exatamente isso o que tinha acontecido com ele, tinha sido capturado pelo povo inimigo. E suportar tudo o que ele estava passando, fazia dele um garoto muito corajoso. Kara Leigh não sabia se teria a mesma coragem.

Ela conseguiu chegar na caverna de Lincoln sem problemas, mas o que ela encontrou quando entrou a fez arregalar os olhos e engolir um grito. A garota morena do desenho no livro de Lincoln estava ali, desacordada no chão. E pelo jeito, parecia machucada. Lincoln viu Kara Leigh entrando e rapidamente foi ao seu encontro, fazendo gestos com a mão para que falasse baixo.

—Eu fiquei preocupada! Tem dois dias que você sumiu! – Sussurrou Kara Leigh, em um tom que parecia estar gritando.

—Eu sei, me desculpe por ter que te deixar sozinha, mas eu fiquei... – Lincoln olhou para a garota no chão, retornando o olhar para Kara Leigh. – ocupado.

Kara Leigh também olhou para a garota no chão. Não demorou muito para que voltasse seu olhar para Lincoln, em uma expressão confusa.

—Você sequestrou a sua namorada? – Perguntou Kara Leigh, sussurrando.

—Ela não é minha namorada! – Sussurrou Lincoln, no mesmo tom de grito que ela havia usado antes. – Eu a achei desmaiada lá fora. Eu tinha que fazer alguma coisa antes que mais alguém a achasse. O que poderia acontecer se ela fosse capturada pela nossa aldeia?

O mesmo que estão fazendo com John. Kara Leigh pensou. Lincoln fez bem em ter trazido aquela menina em segurança até sua caverna, pois algo muito pior poderia ter acontecido se ela fosse encontrada por outros.

—Precisa de ajuda? – Perguntou Kara Leigh. – Eu posso limpar os ferimentos dela. Assim ela não vai pegar uma infecção.

Lincoln encarou a menor com um leve sorriso. Ela nem sabia quem era aquela garota, mas mesmo assim, queria ajudá-la. Ajudar os outros sem se importar com quem são, ou com retornos. Isso era a coisa mais típica de Kara Leigh.

—Faça isso sim. – Respondeu Lincoln. – Tem água e alguns panos ali no canto. Enquanto isso, eu vou lá fora buscar o resto das ervas para fazer um remédio para a perna dela.

Kara Leigh viu a perna da garota e notou que ela estava sangrando. Um remédio não iria bastar. Teria que ser estancado com ferro quente. Lincoln sabia disso, e antes de sair, pediu que Kara Leigh colocasse uma espada no fogo antes que ele voltasse. Ele também deu um último aviso.

—Caso ela acorde, não fale com ela. Não revele que você consegue entendê-la, está bem? – Avisou Lincoln.

—Tudo bem. – Respondeu Kara Leigh.

Assim que Lincoln saiu, Kara Leigh pegou os panos e a água que estavam em um canto e começou a fazer seu trabalho. Aquela garota estava com muito sangue no rosto, tanto seco quanto fresco, então deu um pouco de trabalho. Quando ela terminou com o rosto, tentou limpar a perna, mas não deu muito certo, pois a garota soltou um gemido de dor, demonstrando que estava acordando.

Kara Leigh se afastou um pouco, dando espaço para a garota respirar. A sensação de medo voltou a tomar conta dela. As duas não estavam separadas por uma jaula. Aquela garota poderia muito bem ser agressiva.

Quando a garota finalmente tomou consciência, ela entrou em pânico. Começou a ofegar e olhar para os lados, procurando uma saída. Ela parou de procurar quando notou a terrestre, ali, ajoelhada, a encarando. Não lhe parecia má, mas era melhor não arriscar.

A garota pegou o objeto mais próximo, no caso uma pedra, e levantou o braço, insinuando uma ameaça à garota terrestre.

—O que vocês vão fazer comigo? – Perguntou a garota, em um tom choroso. – Vão me matar, por acaso?

Ela observou que a terrestre recuava cada vez mais, com um olhar assustado. Quando a terrestre chegou na parede, começou a tremer. A garota viu o quanto ela estava assustada e logo percebeu que aquela loirinha não era uma ameaça. Talvez ela estivesse com mais medo dela ainda. A morena abaixou a pedra.

—Ok. – Ela mantinha o tom ofegante. – Eu não vou te machucar se você também não me machucar.

Aquelas palavras fizeram a menina terrestre sair da parede e ir lentamente ao encontro da outra. A garota do céu se assustou um pouco, mas viu que a outra não tinha intenção de machucá-la. Ela observou a terrestre pegar um pano e molhá-lo, aproximando-o de sua pele machucada. Isso a fez recuar um pouco, mas não o suficiente para não deixar a terrestre limpar seus machucados.

—Por que está me ajudando? – A garota do céu perguntou.

Ela apenas obteve um olhar de dois segundos da terrestre, antes que ela voltasse a limpar os ferimentos. Nenhuma resposta.

—Você não entende o que eu digo, não é? – Ela perguntou novamente. Apenas obteve outro olhar.

Ela gemeu de dor ao sentir o pano em uma área mais sensível. Porém, a menina terrestre não pareceu dar ouvidos e continuou a fazer seu trabalho. Durante os minutos de silêncio, e apesar de sua aflição, a morena não deixou de notar o físico da outra. Sem armadura e sem armas. Apenas usava uma blusa cinza larga, que mais lhe cabia como um vestido, de mangas compridas com uma regata cinza mais clara por cima. A calça era marrom e fina, rasgada em alguns pontos, como se a menina tivesse se cortado no mato. Apenas as botas pretas lhe lembravam botas de armadura. Fora isso, não tinha nada de ameaçador naquela menina.

—Mesmo que não entenda uma palavra, eu queria agradecer. – A garota do céu disse. – Por estar me ajudando.

A loira teve que se segurar muito para conseguir conter o típico sorriso. Ela entendia tudo o que a outra garota dizia, porém, tinha que fingir que não. Como já tinha acabado, já podia voltar para a aldeia. Só precisava ir atrás de Lincoln antes. Mas, para sair da caverna, ela teria que colocar a garota do céu para dormir novamente. Assim que se levantou e virou de costas, escutou a voz da outra novamente.

—Meu nome é Octavia, caso esteja entendendo. – Disse a garota do céu.

A outra não deu uma resposta imediata. Apenas pegou uma espada e colocou no fogo. Em seguida, vasculhou as prateleiras da caverna atrás de um sonífero. Ela era experiente quando o assunto era ervas e suas propriedades, então podia reconhecer um sonífero pela cor. Assim que achou um, numa quantidade bem pequena, não demorou em espalhar o líquido sobre um pano.

Assim feito, ela foi rápido em direção à Octavia e antes que a morena pudesse revidar, já estava desmaiando outra vez.

Ai laik Kara Leigh. — Disse Kara Leigh, em sua língua, antes de sair da caverna.

Fora da caverna, Kara Leigh procurou por Lincoln. Ele não estava longe, então não demorou muito para achá-lo. Ele estava retirando a essência de uma planta quando ela o encontrou.

—Prontinho, eu limpei todos os machucados possíveis. Só que você vai ter que dar um jeito na perna dela, pois não para de sangrar de jeito nenhum. A espada já está na brasa. – Disse Kara Leigh.

—Ela acordou? – Perguntou Lincoln. Kara Leigh congelou na hora. Ela não queria que ele soubesse que Octavia falou com ela.

—Não. Ela ficou apagada o tempo todo. Acho que ainda está... – Kara Leigh respondeu.

Lincoln acenou com a cabeça e agradeceu. Quando ele ia voltar para a caverna, Kara Leigh pediu para que ele esperasse.

—Lincoln, espere! – Ela chamou. – Eu... eu preciso contar uma coisa.

Kara Leigh, por mais nervosa que estivesse, contou toda a situação que estava passando na aldeia. Sobre estar ajudando Murphy, sobre ter sido descoberta e agora estar sendo usada para obter informações sobre o povo do céu. Anya não iria pegar leve com nenhum dos dois, e isso a deixava com muito medo.

—Eu achei que tinha dito para você tomar cuidado! – Disse Lincoln, num tom de bronca. – Como é que você vai sair dessa situação agora, Kara Leigh?

—Eu sei, eu sei! – Respondeu Kara Leigh. – Mas eu não podia ficar parada e deixar aquele garoto sofrer. Isso que Anya está fazendo com o povo deles não é justo!

De novo, o espírito inocente tomou conta de Kara Leigh. Lincoln sabia que aquela garota era contra qualquer tipo de guerra ou violência, e que mais cedo ou mais tarde ela iria fazer alguma coisa para ajudar o povo do céu. Ele sabia disso porque um pouco desse pensamento passou para ele mesmo, quando resolveu ajudar a garota do céu. Porém, diferente de Kara Leigh, que ajudava os outros simplesmente porque já é da natureza, ele estava ajudando a garota do céu porque estava nutrindo sentimentos por ela. O dia em que Kara Leigh viu o desenho no livro quase o entregou. Mas Kara Leigh não era o problema. O problema seria se sua aldeia descobrisse.

—Eu entendo. – Ele disse. – Também não acho justo. Se Anya tentar fazer alguma coisa, me avise. Só tente não ser morta.

—Lincoln, você é o melhor! – Disse Kara Leigh, abraçando-o.

Lincoln não podia acompanhar Kara Leigh até a aldeia, mas a mandou por um caminho mais seguro, já que a floresta estava cheia de armadilhas para as pessoas do céu que, com certeza, viriam atrás de Octavia. Também estava cheia de terrestres, que a podiam confundir com uma garota do céu e matá-la. E a mandou ir depressa, pois mesmo num caminho mais seguro, ainda não era muito aconselhável andar na floresta sozinha e desarmada.

*~*

Tudo o que Murphy sentia agora era dor. A dor de ter sua pele cortada por o que parecia ser milhares de facas, a dor de receber diversos socos seguidos, sem pausa nenhuma, e a dor psicológica de ser tratado como um pedaço de lixo. Ele acordou naquela manhã e a primeira coisa que percebeu era que Kara Leigh não estava mais ali.

Naquela noite, ele mal dormira, pois o medo da tortura havia lhe tirado o sono. Os machucados, mesmo com o remédio, ainda doíam. Seu único conforto era o braço de Kara Leigh enlaçando seu corpo. Ela dormia profundamente, ele verificou, olhando para trás. Então, aproveitou para segurar a mão da garota, cujo braço o enlaçava. No meio daquele sofrimento todo, esse simples gesto trouxe o mínimo de tranquilidade para que ele pudesse dormir, finalmente.

Aquela garota, mesmo o conhecendo há pouco tempo, havia salvado a sua vida. Quem diria que uma atitude dessas viria de uma terrestre. Sobre os dias em que Murphy já havia passado na aldeia terrestre, ele havia concluído que os terrestres são pessoas más, cruéis e vingativas. Mas ela não. Ela era como um anjo enviado do céu em uma hora de necessidade. E não só porque ela curava seus ferimentos. Era por tudo. Ele sempre foi sozinho, rejeitado por todos. Ela foi a primeira que não o julgou. Que não o tratou mal, nem o condenou por erros do passado. Ele pensava muito sobre fugir daquele lugar, tanto de um acampamento como de outro, e talvez levá-la junto.

Esses pensamentos o distraíam um pouco da dor da tortura. Porém, não completamente. Após outra pergunta que ele se recusou a responder, um soldado apareceu com um instrumento estranho. Enquanto outro soldado segurou Murphy pelos braços, o soldado com o instrumento agarrou uma das mãos do garoto e começou a arrancar algumas das unhas. A dor era insuportável. Murphy se segurou para não gritar, mas no fim, acabou fazendo.

—Deixe ele em paz! – Uma voz feminina gritou.

O soldado parou com a tortura imediatamente. Murphy estava com uma visão turva, então demorou para reconhecer a dona da voz. Apenas quando ela se aproximou e segurou seu rosto, ele pôde ver. Era ela.

—Ei, eu estou aqui... – Sussurrou Kara Leigh. – Eles não vão mais machucar você.

Ele estava muito fraco para responder. Sangrava muito e estava tremendo. Não dava tempo de esperar até a noite. Ela teria que cuidar dos ferimentos dele agora.

—Estão tentando matá-lo? – Ela perguntou aos guardas. – A líder disse "apenas ferimentos leves"! Eu quero falar com ela mais tarde.

Os guardas encararam Kara Leigh com um olhar de morte. Perto deles, ela era uma formiguinha. Porém, não podia mostrar postura fraca agora. Não se quisesse que eles deixassem Murphy em paz. Ela teria que ir buscar o remédio para corte na sua casa, mas antes de sair, deu um aviso aos guardas.

—Se tocarem nele outra vez, eu vou colocar veneno na sua comida! – Ela disse, o mais firme possível.

Quando já estava longe, suspirou aliviada e perdeu o olhar sério. Seu coração batia rápido por conta do nervosismo. Ela raramente mantinha aquela postura séria. A sua inocência falava mais alto.

Kara Leigh chegou em casa, apanhou a trouxa de remédios e tirou o mesmo que havia usado na noite anterior. Estava na metade, mas havia o suficiente. Pegou alguns panos recém-lavados, seu cantil de água e voltou para a jaula de Murphy. Ela lhe traria comida mais tarde.

Dessa vez, enquanto ela tratava dos ferimentos dele, ele ficou quieto. Estava muito fraco. Não tinha forças nem para seu típico sarcasmo. Assim que ela viu as mãos dele, soltou uma lágrima. Era muita crueldade fazer aquilo com alguém só por causa de míseras informações.

—Oh, John... – Ela tratou das mãos dele com cuidado. – Você não merece isso.

Como eram ferimentos graves, ela teve que enfaixá-los. Não iriam curar fácil. Aquilo iria doer e ficar exposto durante semanas. Aquilo já era demais. Ela teria que implorar para que Anya parasse com toda aquela violência. Mas sabia que Anya iria chutar seu rosto novamente se fosse até lá de mãos vazias. Então ela esperou um tempinho para Murphy retomar a consciência.

Os guardas estavam "proibidos" de tocar nele, então Kara Leigh aproveitou que os guardas não estavam olhando e foi para trás da jaula. Como fez na noite anterior, ela pôs os braços ao redor dele, só que desta vez, foi ele quem repousou a cabeça no ombro dela. Por mais envergonhada que estivesse, ela não queria deixar que ele descansasse no chão. Após uns minutos, ele finalmente acordou.

—Eu acho que morri e estou no paraíso, porque tem um anjo me abraçando. – Ele disse, um pouco fraco, porém em um tom de brincadeira.

Ela ficou extremamente vermelha e o soltou devagar, para não machucá-lo. A vontade dela era de enfiar a cabeça em um buraco, de tanta vergonha. Ela não sabia como reagir a elogios, pois era muito raro receber um. Apenas Lincoln a elogiava, e isso só de vez em quando.

—Está se sentindo melhor? – Perguntou Kara Leigh.

—Com uma dor insuportável. Mas pelo menos estou respirando. – Murphy respondeu, ironizando.

—Vou falar com a líder para ela parar com as torturas. – Disse Kara Leigh. – Mas preciso da sua ajuda.

Ela explicou a situação de que não podia ir ao encontro de Anya sem nenhuma informação. Murphy, preocupado não só com si mesmo, mas com o que poderia acontecer com Kara Leigh, deu algumas informações. Eram poucas, mas ela achou o suficiente para começar. Quando a líder estivesse pronta, Kara Leigh iria vê-la.


Continua

𝐓𝐇𝐄 𝐑𝐄𝐀𝐒𝐎𝐍 𝐈𝐒 𝐘𝐎𝐔 | john murphyOnde histórias criam vida. Descubra agora