ANALISE §§

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O segundo Sermão foi pregado um ano depois e tem o mesmo tema da morte, porém, de uma perspectiva de aceitação, já que todos morrerão, é melhor aceitar a morte e não se apegar a vida, pois isso se configuraria vanitas (vaidade), o que prejudicaria a eternidade.

Já que hei de ser pó por força, quero ser pó por vontade. Não é melhor que faça desde já a razão, o que depois há de fazer a natureza? Se a natureza me há de resolver em pó, eu quero-me resolver a ser pó, e faça a razão por remédio, o que há de fazer a natureza sem remédio. Não sei se entendestes toda a metáfora. Quer dizer mais claramente que o remédio único contra a morte, é acabar a vida antes de morrer. Este é o meu pensamento, e envergonho-me, sendo pensamento tão cristão, que o dissesse primeiro um gentio. (VIEIRA,1673, p.385)

Senhores meus, o dia é de desenganos. Morrer em o Senhor, ou não morrer em o Senhor, haver de ser bem-aventurado, ou não haver de ser bem-aventurado, é o ponto único a que se reduz toda esta vida e todo este mundo, todas as obras da natureza, e todas as da graça, tudo o que somos, e tudo o que havemos de ser, porque é salvar, ou não salvar. Este é o negócio de todos os negócios, este é o interesse de todos os interesses, esta é a importância de todas as importâncias, e esta é e deve ser na cúria, e fora dela, a pretensão de todas as pretensões, porque este é o meio de todos os meios, e o fim de todos os fins: morrer em graça, e segurar a bem-aventurança. E se me perguntardes: essa bem-aventurança, e esse seguro, e essa graça, por que a não promete a voz do céu aos vivos que morrem, senão aos mortos que morrem: Mortui qiu moriuntur? A razão verdadeira e natural, e provada com a experiência de todos os que viveram e morreram, é porque aqueles que morrem quando morrem, hão de contrastar com todos os perigos e com todas as dificuldades da morte, que é coisa muito arriscada naquela hora; porém os que morrem antes de morrer, já levam vencidos e superados todos esses perigos e todas essas dificuldades, porque na primeira morte desarmaram e venceram a segunda. (VIEIRA, 1673, p.387)

Para Antônio Vieira, aceitar o desencarne é aceitar seus defeitos e consertá-los antes de morrer garantiria uma boa eternidade. Refletir sobre seus defeitos no leito de morte não tem valor, mas refletir quando se está saudável é o que justifica a doutrina cristã.

Vencida assim esta primeira dificuldade de ser a morte uma, segue-se a segunda, não menos perigosa, nem menos terrível, que é o ser incerta. Certa a morte, porque todos certa e infalivelmente havemos de morrer; mas nessa mesma certeza, incerta, porque ninguém sabe o quando. Repartimos a vida em idades, em anos, em meses, em dias, em horas, mas todas estas partes são tão duvidosas e tão incertas, que não há idade tão florente, nem saúde tão robusta, nem vida tão bem regrada, que tenha um só momento seguro. (VIEIRA,1673, p.392)

No segundo momento do Sermão, Vieira comenta que por a morte ser incerta, o melhor seria refletir desde já suas atitudes perante a vida. Viver uma vida sem vaidades e luxúrias, ser bom e cristão, garantem que sua eternidade seja divina.

Finalmente, se tanto amo, e tão pegado estou aos dias da vida presente, por isso mesmo os devo dar a Deus, para que ele me não tire os que ainda naturalmente posso viver, segundo aquela regra geral da providência sua, e aquele justo castigo dos que os gastam mal: Viri sanguinum, et dolosi, non dimidiabunt dies suos. Só resta o mais dificultoso laço de desatar, ou cortar, que são os que vós chamais gostos da vida, os quais, se ela se acaba, também acabam: Post mortem nulla voluptas. Ajude-me Deus a vos desenganar deste ponto, e seja ele, como é, o último. Se nesta vida (vede o que digo) se nesta vida, e neste miserável mundo, cheio, para todos os estados, de tantos pesares, pode haver gosto algum puro e sincero, só os que acabam a vida antes de morrer a gozam. Para todos os outros é a vida e o mundo, vale de lágrimas; só para os que acabaram a vida antes da morte, é paraíso na terra. (VIEIRA, 1673,406)

Para concluir, o Sermão trata da ideia da morte em vida, isto é, deixar de lado as vaidades humanas e refletir sobre suas atitudes perante ao próximo. Arrepender-se em saúde para que em doença não tenha seu arrependimento invalidado.

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