No último Sermão analisado, Padre Antônio Vieira trata da morte como remédio que cura todos os males dos homens e deve ser seu objetivo central na vida, pois dessa forma a morte libertaria o homem e o levaria ao descanso eterno. Em vida, a morte aceita pelo homem evitaria uma pós-vida em desarmonia.
A sentença de morte que a Igreja hoje solenemente não só no-la repete aos ouvidos com a voz, mas no-la escreve na testa com a cinza. Assunto do sermão: o pó que somos é a vida, o pó que havemos de ser é a morte: o maior bem da vida é a morte, o maior mal da morte é a vida.
Esta é a sentença da morte fulminada contra Adão e todos seus descendentes, a qual se tem executado em todos quantos até agora viveram, e se há de executar em nós, sem apelação de inocência, sem respeito de estado, sem exceção de pessoa. A Igreja solenemente hoje, não só no-la repete aos ouvidos com a voz, mas no-la escreve na testa com a cinza, como se dissera a seus filhos uma piedosa mãe: – Filhos, ouvi e lede a sentença de vosso pai, e sabei que sois pó, e vos haveis de converter em pó: –Pulvis es, et in pulverem reverteris (Gên. 3, 19). – Outras vezes, e por vários modos, neste mesmo dia, e sobre estas mesmas palavras, tenho comparado e combinado entre si o pó que somos com o pó que havemos de ser, e, posto que me não arrependo do que então disse, o que hoje determino dizer não é menos qualificada verdade nem menos importante desengano. O pó que somos é o de que se compõem os vivos; o pó que havemos de ser é o em que se resolvem os mortos. E sendo estes dois extremos tão opostos como o ser e não-ser, não é muito que os efeitos e afetos que produzem em nós sejam também muito diversos: por isso amamos a vida e tememos a morte. Mas porque eu, depois de larga experiência, tenho conhecido que estes dois efeitos no nosso entendimento, e estes dois afetos na nossa vontade andam trocados, o meu intento é pô-los hoje em seu lugar. O amor está fora do seu lugar, porque está na vida; o temor também está fora do seu lugar, porque está na morte: o que farei, pois, será destroçar estes lugares, com tal evidência que fiquemos entendendo todos que a morte, que tanto tememos, deve ser amada, e a vida, que tanto amamos, deve ser a temida. E por quê? Em um e outro pó temos a razão. Porque o maior bem do pó que somos é o pó que havemos de ser, e o maior mal do pó que havemos de ser é o pó que somos. Mais claro. O pó que somos é a vida, o pó que havemos de ser é a morte; e o maior bem da vida é a morte, o maior mal da morte é a vida. Isto é o que hei de provar. Deus nos assista com sua graça para o persuadir. (VIEIRA, I )
Para ele, o homem deve estar em constante guerra com seus apetites a fim de se curar dos males existentes somente neste mundo. Segundo análise do professor Gustavo Borges, o exemplo utilizado é Jó – que perdeu tudo o que tinha, incluindo seus filhos, e ainda teve uma forte doença de pele.
No final de todo este processo doloroso, ele se vira para Deus e diz: Senhor, o que mais quereis de mim?. Essa resignação, essa humildade é a tradução do que Vieira espera de seu ouvinte na missa: a introjeção da humildade, o combate à vaidade e a cura pela fé. Neste terceiro sermão, não prevalece a ideia de que a morte seria um novo nascimento, mas sim que ela representa o fim dos males experienciados na vida.
Para uma melhor análise dos textos, acessar a resenha Sermões da Quarta-feira de Cinza, Padre Antônio Vieira, do professor Gustavo Borges. Acesso em: 02 de outubro de 2019.
Diz Jó que a vida do homem é uma perpétua guerra: Militia est vita hominis super terram – tanto assim que ao mesmo viver chama ele militar: Cunctis diebus quibus nane milito. – Qual seja a campanha desta guerra, não é Cartago ou Flandres, ou, como agora, Portugal, senão o mundo e a terra toda em qualquer parte: super terram. –Mas, como o mesmo Jó não faça menção de muitos, senão de um só ou de qualquer homem –vita homimnis–com razão podemos duvidar quem são os combatentes entre os quais se faz esta guerra e se dão estas batalhas? Se foram gentes e diversas nações, também ele o dissera, mas só faz menção de um homem, porque dentro em cada um de nós, como de inimigos contra inimigos, se faz esta guerra , se dão estes combates, e vence ou é vencida uma das partes. O homem não é uma só substância, como o anjo, mas composto de duas totalmente opostas, corpo e alma, carne e espírito, e estes são os que entre si se fazem a guerra, como diz S. Paulo: Caro concupiscit adversas spiritum, spiritus autem adversas cornem (Gal. 5, 17): A carne peleja contra o espírito, e o espírito contra a carne. – Por parte da carne combatem os vícios com todas as forças da natureza, por parte do espírito resistem as virtudes com os auxílios da graça; mas como o livre alvedrio subordinado do deleitável, como rebelde e traidor, se passa à parte dos vícios, quantos são os pecados que o homem comete tantas são as feridas mortais que recebe o espírito, e basta cada uma delas para se perder a graça. Por isso com razão exclama Santo Agostinho, como experimentado em outro tempo: Continua pugna, rara victoria: A batalha é contínua, e a vitória rara. (VIEIRA, VII)
Podemos observar no Sermão características do Barroco, como a dualidade: O homem não é uma só substância, como o anjo, mas composto de duas totalmente opostas, corpo e alma, carne e espírito e reflete o constante conflito do homem em relação aos prazeres da vida.
O morto, quando o levam à sepultura pelas mesmas ruas por onde passeava arrogante, tão contente vai envolto em uma mortalha velha e rota como se fora vestido de púrpura ou brocado. Chegado à sepultura, tão satisfeito está com sete pés de terra como com os mausoléus de Cária ou as pirâmides do Egito; e se até essa pouca terra que o cobre lhe faltasse, diria se pudesse falar, que a quem não cobre a terra cobre o céu: Caelo tegitur Qui non habet urnam. – Pois, se então tão pouca diferença hás de fazer da riqueza ou pobreza das roupas, por que agora te desvanecem tantos e gastas o que não tens na vaidade das galas? Pois, se então hás de caber em urna cova tão estreita, por que agora te não metes entre quatro paredes, e procuras a largueza da morada tanto maior que a do morador, e invejas a ostentação e magnificência dos palácios? Ainda resta por te dizer o que mais me escandaliza. Se quando estás debaixo da terra todos passam por cima de ti, e tepisam, e te não alteras por te ver debaixo dos pés de todos, agora, que és o mesmo, e não outro, só porque estás com os pés sobre menos terra da que então hás de ocupar, por que te ensoberbeces, por que te iras, por que te inchas e enches de cólera, de raiva, de furor, e a qualquer sombra ou suspeita de menos veneração ou respeito o queres vingar, não menos que com o sangue e a morte? Mas é porque a mesma morte te não amansa e emenda. Ouve, enquanto não perdes o sentido de ouvir, um notável dito de Davi: Quoniam supervenit mansuetudo, et corripiemur. – A palavra corripiemur quer dizer seremos emendados, porque a morte é uma correção geral que emenda em nós todos os vícios. E de que modo? Por meio da mansidão, porque a todos amansa: Quoniam supervenit mansuetudo. – Morreu o leão, morreu o tigre, morreu o basilisco: e onde está a braveza do leão, onde está a fereza do tigre, onde está o veneno do basilisco? Já o leão não é bravo, já o tigre não é fero, já o basilisco não é venenoso, já todos esses brutos e monstros indômitos estão mansos, porque os amansou a morte: Quoniam supervenit mansuetudo. – E se assim emenda, e tanta mudança faz a morte nas feras, por que a não fará nos homens? (VIEIRA, IX)
Portanto, os três Sermões aqui analisados, cada um visto de uma determinada perspectiva de Padre Antônio Vieira, todos possuem a mesma temática, a arte de saber morrer, livrando o homem de seus pecados e os conduzindo a uma vida justa, boa e cristã.
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RandomREPUBLICAÇÃO AUTOR: Antônio Vieira APENAS SERMÇOES SELECIONADO PELA COMVEST 2021 O padre Antônio Vieira é das personagens mais importantes da história do Brasil e de Portugal no século XVII. Qualquer que seja a posição que se tenha quanto à sua atua...