Capítulo 8

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Vincent observava de longe aquele soldado careca,

demorando-se para abastecer a jarra de água presente na mão do forasteiro.

Já notara o contato demorado entre eles quando se encontravam na fila da distribuição, mas não conseguia entender o motivo, especialmente porque pareciam se detestar. Ele mesmo não gostava de soldado nenhum. Homens sempre molhados de suor no uniforme grosso, e ainda assim, sempre limpos. Homens que tinham tudo do lado de dentro das muralhas, homens que podiam oferecer uma vida boa e feliz para suas famílias.

Gostava menos ainda de Henry, embora soubesse que os motivos para tanto não eram tão honrosos. Vincent não era cego. Era óbvio que Anabele estava cada vez mais envolvida com o forasteiro e, consequentemente, cada vez mais distante dos planos que tinha para os dois, mas havia prometido para si mesmo respeitar a escolha da melhor amiga.

Respeitar a escolha da amiga era fácil, difícil era fazê-lo quando a olhava e via tudo o que gostaria que pudessem ser. Era apaixonado por Anabele já fazia tanto tempo, e ela conseguira manter-se ignorante quanto a esse fato por toda a vida.

É verdade que ele nunca dissera nada a respeito abertamente, mas também não fazia questão de esconder. Em um nível racional, sempre entendera que era grande parte do alicerce que mantinha a garota em pé, e toda a confiança, respeito e amizade que haviam construído eram preciosos demais para que ela pudesse pôr em risco. Além disso, Anabele não parecia de maneira alguma preocupada ou interessada em assuntos que não estivessem diretamente ligados à sua sobrevivência ou à de sua família. Quer dizer... não costumava estar até conhecer o irritante Henry.

A chegada do rapaz também lhe provocara novos sentimentos. Amava Anabele desde que podia se lembrar, e por isso mesmo, sua felicidade sempre fora sua maior preocupação, e a independência e força da amiga eram motivos de que se orgulhava.

Porém, até mesmo isso estava mudando.

O que desejava com mais urgência, diferente dos últimos anos, não se resumia em poder beijar a boca de Anabele, amá-la com tudo o que tinha de si. Ele, na verdade, queria afastá-la de todo o resto. Queria que a garota pudesse ser sua, que não precisasse dividi-la, que não precisasse observá-la conversando com outro cara, especialmente se esse cara fosse Henry.

Não queria que, em hipótese alguma, ele a visitasse novamente no meio da noite. Conseguira se controlar no dia anterior, mas não tinha certeza se poderia fazê-lo novamente.

Henry não a merecia. Aliás, não era justo que após anos de dedicação, de amizade e de todo o carinho que podia oferecer, ela resolvesse se apaixonar justamente pelo homem mais babaca da região.

E como Anabele poderia não perceber que ele a amava? Que coisa mais irritante! Ela não era idiota para não ter notado.

Pensando bem, talvez fosse ela quem não o merecesse. Seria muito mais simples viver sua vida sem colocar a vida dela em primeiro lugar. Seria mais simples se apaixonar por outra e nunca mais ouvir falar o nome de Anabele ou de Henry. Que casassem, que tivessem filhos e que todos passassem sede!

Notando que seu pulso acelerava e que suas unhas fincavam nas palmas das mãos, Vincent obrigou-se a respirar fundo. Levou as mãos à testa e limpou o suor que escorria. Então sentiu nojo de si mesmo. Quem era ele naquele momento? 

Que tipo de homem estava se tornando?

Sua garganta fechou-se com a repulsa que experimentava do seu próprio cheiro de suor, de seus próprios pensamentos egoístas e inexplicáveis. Sua boca tinha um sabor amargo.

Por mais que o seu peito se enchesse de amor com a menor referência a Anabele, parecia que conseguia controlar com cada vez menos força os ciúmes, o sentimento de posse, a frustração por não ser o escolhido por ela.

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora