Já passava do meio dia e Arthur observava, da janela de seu escritório, a capital lá embaixo. Ouvia os outros líderes discutirem, mas pouco se importava com o que diziam. Mesmo com a preocupação em relação ao plano que criara, tudo em que podia pensar naquele momento era o filho. Ele havia deixado a sala para levar Anabele de volta ao abrigo, mas Arthur não achava que Davi fosse ficar parado. Perguntava-se se ele estaria ajudando com os explosivos, e de algum modo, sabia que sim.
O coração, que geralmente não se lembrava de possuir, estava gelado. Atribuiu a sensação à expectativa do que aconteceria a seguir, e não ao medo desesperado de perder o único filho.
— Já faz horas — falou Marcus, aproximando-se do presidente.
— Fiz meu trabalho bem feito. A muralha tem muitos quilômetros.
Marcus pensou ter sentido uma espécie de amargura no tom de Arthur.
— Tem pessoas da província se armando de pedaços de metal e facas de cozinha e partindo para ajudar — comentou.
— Posso ver daqui alguns sendo massacrados — qualquer emoção sumira da voz do presidente.
Lá embaixo, um Venom agarrava alguém com o tentáculo. No segundo seguinte, o homem voava, arremessado pela criatura.
— Que não seja o Davi — sussurrou Arthur.
— O que disse? — perguntou Marcus.
O presidente não repetiu e não precisou. Virou-se irritado quando ouviu Leonard praguejar:
— Mas que inferno, Yudi!
— O que está acontecendo? — perguntou, em um tom cortante.
Leonard e Vitório estavam parados próximos à porta escancarada do escritório.
— Yudi desceu. Disse que iria despedir-se das muralhas — explicou Vitório, com os ombros mais tensos do que de costume.
Arthur limitou-se a erguer as sobrancelhas, em uma expressão genuína de surpresa.
— Ela está preocupantemente desequilibrada — comentou Marcus.
No mesmo instante em que o presidente abria a boca para responder, algo estranho aconteceu e o obrigou a calar-se.
Inexplicavelmente, Arthur sentiu que um peso deixava suas pernas. Percebeu que estava mais leve, mais relaxado, menos receoso. Teve a impressão de que não estivera com o controle total do próprio corpo até aquele momento e que somente agora o recuperava. O frio na barriga que se instalara desde a recente invasão finalmente passara. Foi como se um punho que antes se fechava em torno de seu coração, soltasse-o. Mesmo sua cabeça parecia trabalhar melhor. Não havia mais dificuldade para organizar seus pensamentos.Não estava mais com medo.
— Você também...
Arthur não terminou a pergunta. Podia ver claramente o alívio que todos os ali presentes sentiam.
Pela primeira vez, notou que suas respirações estavam regulares, ao contrário de antes. Os quatro homens olhavam-se confusos, perguntando-se o que havia acontecido, sem contudo, pronunciarem uma única palavra sequer. Elas não eram necessárias.
Arthur caminhou inseguro até a janela. Com uma certa frustração, percebeu que a situação caótica permanecia lá embaixo. Venoms continuavam atacando e sendo atacados.
— Senhor Arthur.
O presidente virou-se. Reconheceu de imediato a transformação também no comandante Jones, que entrava no escritório, com a expressão um pouco mais relaxada do que em seu último encontro.
— Sim.
— É sobre a segunda capital — ele engoliu em seco. — A muralha caiu.
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Sombras do Medo
General FictionEm um futuro pós destruição em massa, provocada pelas guerras humanas e desastres naturais - para os quais os humanos também contribuíram grandemente - o mundo é dividido em 5 grandes regiões. Em cada uma delas vivem ordinários e singulares, pessoas...