Capítulo 42

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Anabele sentava-se em uma beliche, com o rosto pressionado contra os joelhos dobrados. Os braços envolviam as próprias pernas.

Amanda aproximou-se e colocou uma manta em torno da filha encolhida e sentou-se na beirada da cama.

— Por que exatamente a tentativa de conter o choro? — Perguntou carinhosamente. — O medo eu sei que já passou.

Anabele levantou a cabeça. O rosto estava vermelho, mas não havia lágrimas.

— Por tudo, eu acho — com o silêncio de Amanda, continuou. — Mas mesmo em meio a tudo isso, com todas as perdas que sofremos, com tanta gente morrendo, o que me deixa tão incomodada, e sei que sou egoísta por isso, é a forma como Vincent vem agindo. Como ele pode ter mudado tanto? O que eu posso ter feito para que ele me trate assim?

A irritação e a dor no tom de Anabele eram quase palpáveis.

— Você realmente não percebe, não é, querida?

— O que eu deveria perceber?

— Vincent te ama.

Anabele pareceu confusa.

— Claro que me ama. Nós somos melhores amigos há anos.

Amanda sorriu gentilmente.

— Ele a ama da mesma forma que Davi.

A filha empalideceu.

— Não... mas, mãe... Ele nunca me disse nada! — Anabele tentava controlar a voz, já que outras seis pessoas dividiam o quarto, cada uma em sua cama, com uma bandeja de comida à frente.

— Algumas coisas não precisam ser ditas com palavras, Ane. Ou pelo menos, era isso que ele pensava.

— E você percebeu? — estava atônita.

— Muito antes que ele me contasse.

— ELE CONTOU A VOCÊ?

Anabele desculpou-se com as pessoas que a olharam intrigadas.

Amanda não conteve uma risadinha.

— Algumas semanas antes de Davi, ou Henry, aparecer.

— E por que você não me disse?

— Não cabia a mim. Ele tinha medo de assustá-la, de perdê-la e acredite, filha, você é o que há de mais importante na vida dele.

Anabele ficou em silêncio, digerindo as recentes novidades.

— E logo chegou um forasteiro... e de novo, sem que fossem necessárias palavras, era evidente que vocês estavam se apaixonando. Vincent sentiu que perdia algo que vinha construindo há anos para alguém que se dedicara apenas por meses. A desconfiança que ele sentia pelo então Henry vinha daí. E então, quando descobrimos que ele na verdade havia mentido, Vincent pensou que talvez tivesse uma nova chance.

— Mas isso não justifica de maneira nenhuma como ele está agindo! Eu não fiz nada para magoá-lo, eu jamais faria e ele sabe disso. Mas se eu conhecesse agora o Vincent, pensaria nele como uma pessoa ruim, egoísta e jamais me aproximaria dele.

Sua voz estava embargada. Por trás das palavras duras, havia na verdade somente tristeza. Tristeza por não ter percebido, tristeza por causar dor a uma pessoa que tanto amava, tristeza pela decepção, tristeza por não ser capaz de corresponder o sentimento.

— Não acho que existam pessoas completamente ruins ou completamente boas, Ane. Nós podemos optar por qualquer um desses lados. Agora, mais do que nunca, acredito que seja essa antítese a nossa essência. Só que erramos ao escolher, todos nós.

— Sim, mas alguém me disse uma vez que existem alguns erros com que podemos conviver. Davi errou tentando acertar e ele se arrepende disso...

— Mas Vincent errou tentando puni-la — completou Amanda. — Eu sei. Ele tem sentimentos muito intensos em relação a você e tem focado nos negativos, como os ciúmes, a posse, o medo. Mas isso não o torna uma pessoa má, apenas uma pessoa com más escolhas.

— Queria que tudo voltasse a ser como antes... como era há mil anos.

— Você ficará bem, filha. E Vincent também — Amanda sorriu, curiosa.— E agora quero saber mais sobre esse namoro.

Anabele corou.

— É muito estranho eu dizer à minha própria mãe que senti de repente um calor com essa pergunta?

Amanda forçou um olhar de reprovação.

— Um pouco.

A mãe mexeu-se, incomodada.

— Mas na verdade, também estou sentindo.

No mesmo instante, uma agitação tomou conta do abrigo. Homens, mulheres e crianças tiravam os agasalhos que haviam sido tão necessários naquela noite em especial.

O frio que há alguns segundos tomava o corpo por inteiro, irradiando de dentro e que dificultava qualquer movimento se fora. O corpo recobrava o calor característico da terceira região, tão agradável naquele momento, como se cada pedaço de pele estivesse sendo beijada.

Anabele livrava-se da manta e do moletom, permitindo-se por um momento saborear nada mais do que a satisfação do corpo.

Não pôde evitar, contudo, que a compreensão a atingisse. E foi então que sentiu o coração arder, de fato.

— Mais uma. Está funcionando.

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora