Anabele aguardava com a família e Davi, teimosamente prostrado a seu lado, sua vez de entrar no abrigo. Estavam em um imenso barracão com fachadas de aço. A escuridão que inundava o lugar tornava impossível uma real observação.
A sensação, contudo, era de estar em um local extremamente amplo e vazio. Os únicos sons que se ouviam eram os passos de milhares de ordinários, tentando controlar a respiração, apreensivos demais para fazerem mais do que andar.
De vez em quando, barulhos da batalha que era travada lá fora irrompiam o silêncio, sobressaltando as pessoas, como um lembrete — desnecessário — de que não estavam seguras.
Dentro do lugar, soldados usando lanternas formavam três corredores por onde pessoas encaminhavam-se. No final de cada um deles, via-se uma porta no chão, como a que fechava o túnel que ligava capital e província. Logo Vincent desceu, lançando antes um olhar de ódio para Davi. Em seguida, chegou a vez de Amanda. Anabele segurou sua mão enquanto começava a descer as escadas.
Com uma olhada rápida para baixo, por onde os degraus se estendiam, Anabele ficou surpresa com a claridade que viu. Vozes animadas vinham de lá.
Lembrou-se do abrigo improvisado que haviam montado há algumas horas nas pequenas casas da província e sentiu-se corar.
Mesmo sem conhecer o abrigo que estava prestes a entrar, podia apostar que ele, subterrâneo e nunca antes utilizado, seria o suficiente para abrigar e sustentar todos os ordinários com mais conforto do que haviam tido em suas velhas casas.
Anabele sentiu a mãe apertar sua mão.
— Querida, faça o que tiver que fazer. E lembre-se... ainda que amem, todos erram. Você tem dois exemplos claros disso. Só tente reconhecer aqueles que erram tentando acertar e ressentem-se por tê-lo feito. Esse é o tipo de erro com que você pode conviver.
Anabele balançou a cabeça confusa.
— Do que você está falando, mãe?
Antes que Amanda pudesse responder, um soldado vociferou:
— Desça logo. Vocês terão muito tempo para conversar lá embaixo.
Amanda soltou a mão de Anabele e começou a descer as longas escadas. Antes que desse dois passos, contudo, voltou-se uma vez mais.
— E, ah, Anabele. Sinto-me... boa. Acho... que é a nossa escuridão que os alimenta.
E continuou descendo, deixando as palavras dançando na cabeça de Anabele.
— Pode ir — disse, secamente, o mesmo soldado, indicando a vez de Anabele descer para o abrigo.
Ela assentiu, mas se sentiu sendo puxada para fora da fila, e por algum motivo, não reagiu. Esperou que parassem.
Após alguns minutos, haviam se afastado das enormes filas, embora ainda estivessem no interior do abrigo. Ali a escuridão era mais densa, já que as lanternas dos soldados quase não os alcançavam.
— Desculpe fazer você ficar na fi la o tempo todo à toa.
— Você já desperdiçou meu tempo de formas piores.
Davi abaixou a cabeça.
— Suponho que você tenha razão.
— O que você quer? — perguntou Anabele, repreendendo em pensamento o próprio coração por bater tão descompassadamente.
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Sombras do Medo
General FictionEm um futuro pós destruição em massa, provocada pelas guerras humanas e desastres naturais - para os quais os humanos também contribuíram grandemente - o mundo é dividido em 5 grandes regiões. Em cada uma delas vivem ordinários e singulares, pessoas...