Capítulo 45

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— Acabou! Saiam daqui todos vocês, ordinários! Imaginem uma muralha invisível e continuem como antes!

Leonard tinha os cabelos, antes brancos, cobertos pela sujeira. O rosto estava incrivelmente vermelho, como se estivesse a ponto de explodir. Gritava para todos os lados empurrando pessoas por cima dos escombros.

— Mais um líder enlouquecido — comentou Marcus, com uma expressão cansada.

— Ele não pode suportar a ideia de viver em um mundo em que as pessoas sejam iguais, apesar de todas as diferenças — disse uma voz de mulher ao lado deles.

Arthur e Marcus voltaram-se surpresos. Uma mulher alta, de cabelos curtos acobreados e olhos escuros e bondosos que pareciam muito mais antigos que a idade que aparentava, estendia a mão.

— Achei que devia me apresentar, já que agora nossos filhos estão juntos.

Os olhos cinza de Arthur brilhavam com divertimento. Ele estendeu a mão, cumprimentando-a.

— Muito prazer...

— Amanda — completou ela, sorrindo.

— Muito prazer, Amanda. Ao que parece nos encontraremos bastante.

Ela assentiu. Arthur observou como era bonita, enquanto cumprimentava agora Marcus, apesar das linhas marcadas em seu rosto.

— Anabele ficou profundamente admirada com sua descoberta e sua coragem — um leve sorriso pairou no rosto de Arthur. — Eu também. O Senhor...

— Você.

Amanda sorriu.

— Você realmente evitou que fossemos destruídos, embora tenha contribuído para que essa guerra começasse.

Arthur desviou o olhar, mas Marcus mexeu-se incomodado. Amanda continuou:

— Todos nós erramos, alguns mais do que outros. O Senhor... você, Arthur, errou na proporção do poder que tinha nas mãos. Agora espero que conserte na mesma medida.

Ele a encarou, sentindo-se esbofeteado no rosto. Não sabia o que responder. Era a primeira vez, percebeu surpreso, que alguém o deixava sem reação. Foi poupado de encontrar palavras, porque foi ela quem soltou uma exclamação de angústia.

— Não...

Arthur seguiu seus olhos escuros agora marejados e encontrou o que eles observavam.

A alguns metros de distância, Anabele arremessava pedaços da muralha para longe, gritando com as pessoas ao seu redor para que a ajudassem.

Arthur viu Amanda correr até a filha e instintivamente foi atrás.

Anabele estava com o rosto encharcado de lágrimas e tirava histericamente pedaços de tijolos e concreto do chão, revelando que havia um corpo sob o monte.

— Ajudem-na! — ordenou Arthur, para três homens que se sentavam abatidos.

Imediatamente eles se levantaram e começaram a retirar os escombros. Surpreendendo a si mesmo, Arthur fez o mesmo.

Amanda alcançou a filha e agarrou seus braços, firme, porém carinhosamente.

— Eu o ouvi chamar, mãe! Ele está aí embaixo, eu tenho certeza! — Anabele soluçou. — Vincent chamava meu nome, mãe!

Anabele desabou aos pés de Amanda, incapaz de evitar que a onda de desespero que sentia explodisse em lágrimas.

— Anabele — Arthur chamou.

A moça levantou-se de súbito para dessa vez abaixar-se ao lado do rosto machucado que surgira com a retirada dos escombros. Ela o acariciou, mas retirou a mão rapidamente, quando ele estremeceu com o toque. Um gemido baixo escapou de seus lábios.

— Ane?

— Oi, Vi — respondeu, com a voz mais equilibrada que conseguiu alcançar.

— Você... está bem?

Anabele sorriu com a preocupação do amigo.

— Eu estou bem. Vou ficar melhor quando dividirmos aquele chocolate.

Ele esboçou um sorriso, mas tossiu, e Anabele viu, com o coração doendo, que sangue escapava de sua boca.

— Desculpe... Ane, por ter sido... um imbecil — Vincent falava com dificuldade, intercalando palavras com uma tosse vermelha.

— Shhh — Anabele tentou silenciá-lo, mas ele continuou: — Você pode me prometer... que vai tentar... lembrar-se de mim apenas... como o Vincent seu amigo...

— Vi, mas...

— Deixe-me continuar — sua voz saiu mais alta, seguida por uma crise de tosse. — O amigo que sempre... quis... o melhor para você... e não o que quis você somente.. para ele.

Anabele chorava novamente.

— Você sempre foi meu melhor amigo, Vi, sempre vai ser. Eu o amo tanto, tanto.

Ele sorriu.

— Eu entendo agora. Você pode... me perdoar?

— Vincent, não há...

— Anabele — Amanda interrompeu a filha, lançando-lhe um olhar cheio de significado. Ela compreendeu.

— Como poderia não perdoar quando você me deu um chocolate todinho só para mim?

Vincent pareceu soltar o ar pela primeira vez. Ele fechou os olhos novamente.

— Então vou cuidar do Jhou para você, enquanto a gente não se encontra de novo, pode ser?

Anabele reprimiu um soluço.

— Combinado — foi tudo o que conseguiu dizer.

Ela beijou sua testa e o sentiu parar de respirar. Antes que pudesse derramar uma única lágrima, todo o cansaço e dor dos últimos dias abateram-se sobre ela, derrubando-a no chão e fazendo-a mergulhar em um poço de escuridão.

Foium alívio bem vindo.

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora