Capítulo 23

2 0 0
                                    

— Ele vai escapar, ele vai escapar, ele vai escapar! Não, eu volto para tirá-lo de lá. Sozinho vão matá-lo, como pude deixá-lo para trás?

Anabele corria, tremendo, atravessando a terceira província para chegar em casa. O caos estava por todo o lado. Via fogo em diversos pontos e as plantações mais próximas estavam congeladas. Havia uma histeria geral.

Ordinários corriam em busca de conhecidos, sentiam muito frio, voltavam para dentro de suas casas. Percebiam então que estavam tão seguros quanto antes. Saíam novamente, desesperados, em busca de ajuda e solução.

Com o fogo aumentando, o barulho estava diminuindo. Não se ouviam mais gritos. As pessoas temiam caladas. Em compensação, a fumaça aumentava e não era raro que alguém se perdesse em meio a ela e caísse no chão sufocando.

Anabele via tudo aquilo como se estivesse acontecendo em um filme de que não fazia parte. Continuava correndo, embora o fizesse em uma espécie de piloto automático. Mal podia sentir os pés e sua mente não tinha espaço para se atentar para as dores que sentia.

Lembrou de repente do pesadelo que tivera na noite anterior. Era tudo muito parecido. Só rezava para que todos aqueles com quem se importava estivessem bem.

Encontraria a mãe e Vincent. E Jhou. E ajudaria dona Alice. Com o coração apertado, pensou em Henry.

— Meu Deus! Como pude deixá-lo para trás? Ele precisa escapar! Tenho que voltar para tirá-lo! — falava, pensando em Jhou. Afinal, ele era o único que não podia se virar sozinho.

Repassou os últimos acontecimentos em sua mente. Após checarem os ordinários que haviam servido no banquete e que se encontravam então deitados sobre pedaços de vidro, perceberam que para eles não havia esperança. Os singulares já haviam fugido para dentro do palácio e provavelmente o presidente já teria convocado o gigante exército que possuía.

O exército de cada capital era formado por homens singulares, que só haviam alcançado essa posição por terem se comprometido em ser a linha da frente em uma eventual necessidade de combate. Muitos haviam aceitado, já que não parecia provável que houvesse perigo real com aquela estrutura.

Mais do que as muralhas, a certeza de que os ordinários eram inferiores e de que o existente no mundo não lhes pertencia, aliado a uma mentalidade de medo e dependência absorvida por eles próprios, garantiam a manutenção da ordem.

Bom, talvez agora os guardas se arrependessem da escolha.

Assim, após perceberem que eram os dois únicos ordinários vivos naquele lugar, Anabele com uma careta de desgosto e tristeza havia retirado os sapatos da mulher que haviam tentado socorrer. Eram sapatos de pano grosso e embora calçá-los tenha doído absurdamente, sabia que continuar andando descalça seria ainda pior.

Mordeu o lábio inferior com tanta força que sentiu o gosto metálico do sangue preencher a boca.

— Vamos — havia dito, suavemente, Henry.

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora