Capítulo 25

3 0 0
                                    


— Quanto falta? — perguntou Vincent, pela terceira vez.

— É logo ali — respondeu, ofegante.

Ela e o amigo traziam Alice amparada em seus ombros. A senhora sustentava pouquíssimo do seu leve corpo por conta de seus pés machucados.

Mal sabia ela que Anabele tinha o lábio inferior aberto em decorrência das mordidas que se dava para conter a dor que também sentia nos pés. Ainda assim, andavam o mais rápido que podiam.

Os locais onde antes havia altas chamas estavam cobertos por finas camadas de gelo. O fogo, contudo, começava a diminuir. Pessoas começavam a se abraçar, assustadas, no meio da rua e a planejarem a volta para casa.

Não pareciam preocupadas em entender nada daquilo. Era o suficiente que as coisas voltassem ao que conheciam por normal.

E se acontecesse novamente, qual o problema em fugir de novo? Anabele via com tristeza a reação dos ordinários. Estavam tão acostumados à tragédia que reagiam perfeitamente bem a ela: conformavam-se e esperavam que acabasse. Desconfiava, inclusive, que estivessem convencidos — ou quase — de que eram merecedores dos terríveis acontecimentos.

Anabele sabia mais do que isso. Gabou-se amarguradamente por ser uma das únicas pessoas a ter visto a criatura, e pressentia que ela voltaria. As coisas estavam piorando gradativamente. Seria questão de tempo até que o caos atingisse seu auge.

— Ele é o único que parece feliz. É quase reconfortante, não é mesmo? — comentou ela, distraindo-se ao olhar para Jhou que corria a sua frente.

Após decidirem entrar na capital, Anabele havia corrido até a casa ao lado da sua para pegar Jhou. Não o deixaria sozinho quando o mundo estava desabando.

Encontrara-o encolhido em um canto da sala escura. Tremia, porém ao vê-la, havia corrido em sua direção, abanando a cauda como de costume.

Mesmo assustado, o cachorro parecia grato por finalmente poder correr livremente, após alguns meses de passeios noturnos escassos e breves.

Agora já podiam ver a casa onde encontrariam o túnel.

— Achei que não fosse me contar nunca sobre ele — disse Amanda, que vinha a seu lado.

— Como assim? Você também sabia sobre ele? — perguntou Anabele, indignada.

— Você jura que pensou que enganaria alguém com suas escapadelas noturnas carregada de água, comida e roupas cheias de pelos?

Anabele riu.

— Enganei o Vincent.

— Isso está virando rotina, aparentemente — respondeu o amigo, sem olhar para ela.

— Vincent ... — começou Anabele, com a voz triste.

Amanda balançou a cabeça negativamente para a filha, em um sinal para que ela não continuasse.

— Enfim, sempre quis que você tivesse um cachorrinho — continuou Amanda, calmamente. — Sabia que fariam uma ótima companhia um ao outro. Vocês dois têm uma alma generosa.

Anabele sorriu.

— Antes fôssemos mais cachorros do que humanos.

— Chegamos? — arriscou Vincent.

Anabele fez que sim. Entraram cuidadosamente na casa escura. Colocaram Alice sentada em uma cadeira empoeirada que Amanda encontrara, tateando o ambiente.

— E agora? — perguntou ele.

— Agora abrimos o alçapão que fica em algum lugar desse chão e caminhamos até a muralha.

— Parece simples — brincou a mãe.

— Será. Acho que a luz que vem lá de fora é suficiente para que eu encontre.

Anabele ajoelhou-se sobre o chão e começou a tateá-lo. Em poucos minutos exclamou:

— Aqui. Encontrei o puxador — acenou, convidando-os a se aproximarem.

— AI! — gritou.

— O que foi? — perguntou Amanda, assustada.

— Não me lembrava de ser tão pesada. Bom, foi o Henry que abriu hoje mais cedo, não saberia dizer o peso, de qualquer forma.

Vincent ajoelhou-se ao seu lado e em silêncio puxou a porta. Ouviram o chão ranger, mas nada mudou. Ele abriu e fechou as mãos novamente sobre o puxador e empregou mais força na segunda tentativa. Nada.

Então com as duas mãos puxou o mais forte que pode, o que não era pouco, e a porta ainda assim não se abriu.

Irritado, esmurrou-a. Ficou parado com as duas mãos sobre ela, respirando fortemente.

— Você está bem? — perguntou Anabele cautelosamente.

— Há espaço para uma chave aqui — disse de súbito Vincent, passando as mãos sobre a superfície que deveria ter sido aberta.

— Ah, não! Foi trancada! — sussurrou Anabele, com a voz embargada.

Vincent levantou-se bruscamente e deu passos rígidos até a porta aberta da casa. Amanda abraçou a filha.

— Está tudo bem, querida.

Anabele forçou-se a manter a voz estável. Acabou soando mais rude do que pretendia.

— Henry está preso lá dentro, mãe, e nós estamos condenados aqui fora. Como pode estar tudo bem?

— Não está — falou apressadamente, Vincent, fechando a porta atrás de si com a expressão mais assustada que Anabele já vira em seus olhos escuros.

— O que foi? — ela perguntou, levantando-se.

— Acriatura... há mais delas. E estão lá fora!

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora