Capítulo 12

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— Merda.

Henry perdera as contas de quantas vezes pronunciara a palavra nas últimas horas. As primeiras duzentas vezes haviam sido provavelmente por ter seu momento com Anabele interrompido.

Estivera tão próximo de beijá-la que somente a lembrança bastava para que todo o sangue em suas veias borbulhasse.

As outras centenas de vezes que esbravejara, contudo, tinha motivos muito mais medonhos como explicação.

— Que merda era aquela? — perguntou-se mais uma vez.

Sua cabeça latejava dolorosamente, os olhos ardiam e o corpo pesava. Sentia uma assustadora necessidade de dormir.

Era uma batalha atrás da outra. Primeiro, a visão horrenda que tivera em frente à casa de Ane, depois a longa caminhada para relatar à pessoa certa o que vira e então, a pior parte, a briga para voltar de lá. Para completar, ainda teria que enfrentar a compreensível histeria de Clara...

Precisava descansar os músculos doloridos e tensos, mas mais do que tudo, precisava ser capaz de desligar a mente. Naquele minuto, não havia nada que desejasse mais do que esquecer.

Seria muito pedir para viver em um mundo em que não existisse... o que era aquilo, afinal?

Henry imaginou a sua própria expressão ao contar o que vira. Ele, que tinha com as palavras a mesma familiaridade que se tem com amigos, gaguejara, na tentativa de expressar o absurdo. Podia apostar que, em outras circunstâncias, a cena teria sido cômica.

Apressou o passo em direção à sua casa e notou surpreso como passara a sentir-se à vontade no local. Surpreendendo a si mesmo, podia contar nos dedos as coisas de que sentia falta.

Tinha a estranha impressão de que não abriria mão de Anabele por nenhuma delas. Não abriria nem por todas essas coisas combinadas.

Henry olhou para o céu e sentiu o fundo dos olhos doerem com a claridade do sol ardente, mas, simultaneamente, sentiu os pelos de seu braço eriçarem. Os calafrios pareciam relutantemente indispostos a partirem. Provavelmente, nunca mais passariam. Provavelmente, nunca mais deixaria de ter pesadelos.

Notou então os rostos cansados das pessoas que, trabalhando, pingavam gotas que pareciam nunca receber de volta.

Quase podia ver a foice flutuando sobre o pescoço de cada um daqueles ordinários e Henry não tinha ideia do que poderia fazer para evitar o massacre que, tinha certeza, estava prestes a começar. Com sorte, as aulas de tiro que tivera em sua adolescência poderiam ser razoavelmente úteis.

Então riu de si mesmo. A menos que suas aulas houvessem sido de tiros de catapulta, duvidava que poderia salvar alguém.

Notando o próprio riso cansado, cogitou por um momento que todo o problema era muito mais simples: estava perdendo sua própria sanidade. Com o sol queimando seus neurônios, e a ínfima quantidade de comida e água que recebia, a hipótese de estar ficando maluco não parecia tão improvável.

Nunca se sentira tão perdido em sua vida, nem mesmo quando chegara naquela província e a sensação não lhe agradava em nada. Avisara quem tinha que ser avisado, mas não tinha ideia de como prosseguir. Não sabia o que era a coisa que vira, não sabia por que ela existia, não sabia como lidar. As únicas certezas que possuía eram de que estavam em perigo, e de que precisava tirar Anabele dali.

Já bem sabia que ela não precisava ser salva por ninguém, a moça deixara bem claro, mas não podia manter-se inerte. A surpresa que havia planejado acabara de se transformar em um plano de sobrevivência.

Teriam tempo de conversar, Henry poderia esclarecer tudo e convencê-la da importância de permaneceram longe dali. Finalmente seria o que ela merecia, e que por tantos anos não fora.

Só esperava que houvesse tempo.

A corrida contra o relógio estava começando.

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora