Capítulo 33

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Os soldados já quase não conseguiam manter os braços em posição de sustentar suas armas. Seus lábios estavam azulados, e a pele pálida. O frio que irradiava dos grandes focos de chama que os Venoms haviam criado era mais do que podiam suportar.

Só resistiam ainda pelos gritos de encorajamento de Nicolas, desde que havia retornado mancando de sua própria batalha. Atiravam como podiam, tentando alcançar os tentáculos ou os olhos, porém sem grande sucesso. Não conseguiam mirar, não bastassem o movimento e distância dos Venoms.

Então, como um lampejo de esperança, Nicolas viu altas fogueiras. Sentiu-se imensamente grato por ver familiares chamas alaranjadas, dançando e lambendo pedaços de cadeira, mesas e camas de madeira que ordinários usavam para alimentá-las.

Logo começou a sentir um calor tímido sendo irradiado e envolvendo seu corpo.

E agora, alguns minutos depois, gritava para seus subordinados:

— Posicionem-se perto do fogo e continuem atirando!

Os soldados davam passos lentos e incertos, aproximando-se das altas fogueiras. Iam ganhando renovadas forças conforme o fogo, o verdadeiro fogo que conheciam, expulsava a sensação gélida que envolvia seus corpos. A sensação era maravilhosa, a melhor que se poderia sentir naquele momento. Nada como sentir frio para valorizar o calor, embora ele sempre existisse da mesma forma. O que mudava era a atenção que lhe dirigiam, pensou Nicolas.

Esperava que pudessem apreciar a paz, após a guerra que teriam que lutar para alcançá-la.

Com a rigidez causada pelo frio abandonando os braços dos soldados, seus tiros rapidamente passaram a ser mais certeiros. Ainda nenhum Venom havia sido atingido no olho, mas logo um deles teve o tentáculo perfurado por inúmeras balas.

A criatura berrou e uma chuva de gosma  fétida começou a cair de seus ferimentos. Atingiu dois soldados, que começaram a correr histericamente e a tentarem limpar-se. A substância era como ácido. Queimou a carne de ambos e deixou-os deitados, agonizando em dor.

— Protejam-se da gosma! — berrou Nicolas.

Um Venom caiu com um barulho ensurdecedor, fazendo soldados correrem para não serem esmagados.

Alguém o atingira no olho.

Estava morto, mas ainda assim era a coisa mais assustadora já vista na terra.

Nicolas começou a aproximar-se, mas recuou bruscamente. A sensação de estar perto dele era esmagadora. Uma força negativa, que lhe puxava para a escuridão, parecia esvair do corpo. Perguntou-se por que não sentira o mesmo quando matara um há alguns minutos, perto de Anabele.

A presença da menina parecia de algum modo tê-lo protegido. Uma ordinária, que ironia.

Antes que pudesse dar mais um passo, foi arremessado para longe. Caído de barriga para baixo, tentou levantar, mas uma dor insuportável na cabeça o jogou novamente para o chão. Seus ossos estavam inteiros pelo menos, concluiu.

Levou a mão à testa, que voltou ensopada de sangue. Percebeu, de repente, que o ambiente estava completamente quieto. Teria ele apagado e nesse período a guerra terminado? Estariam todos mortos?

Sentou-se com esforço e observou o cenário. Era o mesmo de um minuto antes. Soldados pareciam gritar uns para os outros e atiravam ininterruptamente contra os Venoms que continuavam voando em grande quantidade e agarrando ordinários perdidos.

Viu pedaços de uma criatura sendo engolidos por enormes labaredas de fogo.

Entendeu, então, e o silêncio pareceu mais ensurdecedor do que os gritos de antes.

Estava surdo. Havia sido atingido por uma explosão que matara outro Venom.

Levantou-se, aturdido pela dor e pelo silêncio que o acompanhava. Caminhou cambaleante até o corpo de um soldado morto. Abaixou-se, sentindo que a cabeça seria a próxima a explodir e apanhou uma metralhadora. Notou que o fogo congelante das criaturas já estava quase completamente apagado pelas chamas comuns.

Avançou e recomeçou a atirar como pôde. Suas pálpebras pesavam, então precisou fazer um imenso esforço para manter-se consciente e ativo na batalha.

Avistou outro Venom atingir o chão com um baque surdo. Mais ou menos um?

Sentindo a exaustão aproximar-se, pensou, somente por um momento, que talvez tivessem chances.

Foi um pensamento equivocado, logo percebeu.

As mortes não poderiam passar despercebidas pelos Venoms sobreviventes. Nicolas viu com um nó na garganta que eles começavam a investir, ignorando os tiros, e agarravam os soldados com seus tentáculos.

O exército logo seria completamente tomado por eles, e em seu lugar, sobraria gelo. Não conseguiu imaginar como os pedaços congelados poderiam ajudar na guerra.

Concluiu, sentindo a boca amargar, que precisavam desesperadamente da capital.

Levantou os olhos em direção às grandes muralhas e dessa vez, com o que viu, foi a esperança que explodiu, irremediavelmente despedaçada dentro de si.

Sombras do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora